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Análise - O fim de um ‘híbrido’, o do político militar

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Por Marcelo Godoy
Atualização:

Passarinho resolveu chamá-la de Um híbrido fértil. Era assim que o coronel reformado e senador pelo Pará se enxergava. Dizia ser militar “por vocação e porque a pobreza impedira que a família o mantivesse em escolas e pagasse sua educação”, mas também político. Não fora o único “híbrido” em nossa história. O primeiro século da República reservou aos militares - como classe e indivíduos - um protagonismo na política que nenhuma outra carreira de Estado teve no País. Passarinho foi um dos últimos representantes desse fenômeno, que produziu não só presidentes e líderes de revoltas - vitoriosas ou derrotadas - como consolidara no Exército a ideia de que era necessário modernizar o País para garantir a soberania da Nação. Sem aço, não haveria canhões e navios. Capitães, coronéis e generais deixavam a caserna para serem interventores ou, depois, para disputar eleições em partidos que iam do PCB à UDN.

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Havia conflitos. Passarinho contava que ouvira do futuro presidente Castelo Branco, então seu comandante na Escola de Comando e Estado-Maior, que o Exército não podia servir ao mesmo tempo a dois senhores: “Ou se é militar ou se é político”. Acreditava então que os comunistas usavam o nacionalismo como biombo para chegar ao poder no País. Era a influência da Doutrina da Guerra Revolucionária, que se espalhara pelo Exército nos anos 1960.

Com a deposição do presidente João Goulart, em 1964, Castelo Branco o indicou para o governo do Pará. Permaneceu um híbrido - militar da ativa e político - até 1967, quando passou à reserva. Nunca se livrou, no entanto, da patente. Nem na política - os adversários o chamavam coronel - nem na caserna. Contava que, quando Médici propôs seu nome ao Alto Comando como seu sucessor na Presidência, o general Orlando Geisel, ministro do Exército, disse: “Gosto muito do Passarinho, mas não faço continência para coronel.” E Passarinho não virou presidente. Vivia-se sob o Ato Institucional-5, que ele apoiara com a frase que o marcaria: “Às favas com os escrúpulos de consciência”. O político não deixa herdeiros - Bolsonaro não tem sua estatura nem sua trajetória é fruto de um fenômeno da caserna -, uma ausência que simboliza o afastamento do Exército da política nacional.  

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