Piercamillo Davigo é um homem sorridente e bem-humorado. Magistrado da Corte de Cassação italiana – a corte suprema de seu país –, tem na ponta da língua uma reposta para quem lhe pergunta se a Operação Lava Jato pode servir de exemplo aos legisladores da Itália, a fim de que a colaboração premiada seja permitida também lá nos casos de corrupção.
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“Absolutamente não. A política italiana tem muitos corruptos. Vamos deixar de rodeios. Todos sabem que quem faz as listas eleitorais (com os candidatos às eleições) controla os partidos. O problema é que há filiações compradas.” A lei na Itália só admite a delação premiada para casos de máfia e terrorismo.
Acostumado a falar sobre os anos em que ele e seus colegas da procuradoria de Milão causaram um terremoto na política italiana com a Operação Mãos Limpas, Davigo lembra as dificuldades para que, mesmo no caso da máfia, a delação premiada fosse adotada. Isso só aconteceu após centenas de assassinatos, como o do general Carlos Alberto Dalla Chiesa (nomeado para combater a organização na Sicília, ele foi metralhado em 1982, em Palermo).
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“Foi preciso um atentado como o de Capaci.” Capaci é uma cidade na província de Palermo que se tornou famosa porque foi ali que a máfia dinamitou uma estrada para matar o juiz Giovanni Falcone, sua mulher e três seguranças, em 1992. Só depois a Itália aprovou a mudança. “Ninguém sabe na Itália o que se passa no Brasil com a Lava Jato. Mas todos conhecem o exemplo dos Estados Unidos no uso do colaborador de Justiça”, afirmou.
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Davigo, ao contrário do colega de magistratura Gherardo Colombo, que o acompanhou no Fórum Estadão Mãos Limpas e Lava Jato, acredita que a Justiça ainda tem seu papel no combate à corrupção. E isso mesmo com o balanço de que foram poucos os acusados de corrupção na Mãos Limpas que, condenados, cumpriram suas penas na cadeia. “Nenhum país do mundo conseguiu acabar com o crime em nenhuma época.”
No Brasil, o caminho para que a delação premiada fosse admitida nos casos de corrupção foi lento e silencioso. A Lei de Crimes Hediondos, de 1990, foi a primeira a prever benefícios para quem delatava: redução de um a dois terços da pena. A corrupção não estava então entre os delitos, nem a formação de quadrilha – não existia ainda o crime de organização criminosa.
Só em 2013 os parlamentares aprovaram as alterações que abriram as portas para a Lava Jato. Por que isso não aconteceu na Itália? Há, talvez, uma razão: o mundo político italiano sabia dos efeitos da delação, pois vira como ela devastara até a lei do silêncio da máfia. “Não há nada que faça o parlamento italiano aprová-la para os casos de corrupção”, diz Davigo. Pouco provável, portanto, que Sérgio Moro ou Deltan Dallagnol sejam convidados a expor a experiência da Lava Jato na Itália.