ANÁLISE: Não é político, é candidato

Não se iluda quem pensa que João Doria é fenômeno restrito a São Paulo; em périplo no Nordeste, o prefeito amealha mais que títulos de cidadão, conquista apoios

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Por Cláudio Gonçalves Couto
Atualização:

João Doria se elegeu prefeito com o bordão de que não era político, mas gestor. Embora disputar uma eleição – ainda mais de tal importância – signifique fazer política com toda plenitude, o bordão funcionou porque grande parte dos eleitores não notou a contradição – ou não se importou com ela.

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Já no cargo em que pretensamente poria em prática suas habilidades de gestor, Doria seguiu fazendo política plenamente, ou ao menos política da forma mais elementar numa democracia, que é a disputa eleitoral. Tanto que, desde quando se tornou prefeito, não houve uma única semana em que não tenha produzido factoides e discursos voltados à exaltação de sua personalidade e à sensibilização ideológica do eleitorado.

Quanto a este ponto, destaca-se a persistência em apresentar-se como o mais antipetista dos antipetistas. Combina assim dois ingredientes úteis pela sua valência negativa no atual cenário nacional: a antipolítica e o antipetismo. Com o desgaste dos políticos em geral e do PT (e de Lula) em particular, Doria se posiciona como uma alternativa à direita menos temerária do que Jair Bolsonaro.

Ironicamente, faz o discurso da negação da política aliando-se a Temer, encarnação da prática política mais tradicional por estas terras. Aparentes contradições à parte, a jogada política (ei-la novamente!) é das mais argutas: se o PSDB lhe negar a legenda, Doria pode ser o candidato peemedebista à Presidência em 2018, fazendo com que o discurso antipolítico tenha como veículo a própria quintessência da política brasileira mais convencional, o PMDB.

E não se iluda quem pensa que o prefeito é fenômeno restrito a São Paulo – seu padrinho, Geraldo Alckmin, é bem mais. Em périplo no Nordeste, Doria amealha mais que títulos de cidadão; conquista apoios. Os que lhe atiraram ovos mal se aperceberam que lhe proporcionariam mais uma oportunidade para o discurso eleitoral. Saiu de lá forte como quem toma uma gemada.

*CIENTISTA POLÍTICO E PROFESSOR DA FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS DE SÃO PAULO