Análise: Moro desnuda farsa do combate à corrupção e antecipa jogo de 2022

Com demissão, ex-juiz da Lava Jato dá senha para o impeachment, põe as cartas na mesa para a eleição de 2022 e se torna o principal algoz do presidente.

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Por Vera Rosa
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BRASÍLIA - A renúncia do ministro da Justiça, Sérgio Moro, jogou o governo de Jair Bolsonaro nas cordas e abriu caminho para um processo de impeachment. Ao denunciar que Bolsonaro quer interferir politicamente na Polícia Federal, verificar relatórios de inteligência da corporação e se preocupa com o rumo de investigações no Supremo Tribunal Federal, Moro desnudou a farsa do combate à corrupção e se tornou o principal algoz do presidente.

Sérgio Moro durante entrevista coletiva na manhã desta sexta-feira, 24. Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino

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Em um tempo de pandemia de coronavírus, com Bolsonaro prestes a se casar de papel passado com partidos do Centrão - a quem sempre chamou de “velha política” - e distribuindo cargos em troca de apoio no Congresso, a Lava Jato pulou fora do governo para não naufragar com ele.

A saída do ex-juiz da Lava Jato, porém, não apenas indica o agravamento da crise política e uma guinada na gestão Bolsonaro como põe as cartas na mesa para a eleição de 2022. Até hoje, o presidente era um jogador praticamente sozinho no campo da extrema direita, mas agora terá Moro como desafiante de peso. E não se sabe nem mesmo se Bolsonaro conseguirá resistir até lá.

A ferida aberta no bolsonarismo com a demissão do titular da Justiça, o mais popular do governo, é maior do que se imagina. O agora ex-ministro escancarou bastidores de conversas com Bolsonaro com detalhes que deixaram a República perplexa. Ao relatar pressões para defenestrar o então diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, Moro afirmou: “Falei ao presidente que seria interferência política. Ele disse que seria mesmo”.

A abertura de inquérito na Suprema Cortepara investigar quem organizou e financiou manifestações em defesa da ditadura militar, no último domingo, é apenas uma das pontas dessa história. Há uma CPI das Fake News no Congresso em andamento e outras apurações em curso, envolvendo até mesmo filhos de Bolsonaro.

Na prática, o presidente já dava sinais de exaustão com Moro, a quem via como “egoísta”, e montou uma situação para ele sair. Sem citar nomes, Bolsonaro chegou a dizer, recentemente, que ministros do seu time haviam virado “estrelas”. À época, muitos interpretaram o discurso como um recado para Luiz Henrique Mandetta, que chefiava o Ministério da Saúde e foi demitido em seguida, há exatos oito dias. Mas quem estava na linha de tiro era Moro, que, agora, deu a senha para o que pode ser o começo do fim da era Bolsonaro.

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