A sub-representação de certos grupos no Legislativo desafia a qualidade democrática de nossas instituições. A exclusão sistemática de pessoas negras, pobres, jovens, LGBT expõe o caráter hierarquizado da democracia, alijando-as do protagonismo político de elaboração de leis e políticas públicas.
Negros e negras representam 57% da população brasileira, segundo o IBGE. Em 2018, eles compunham 37,9% do total de candidaturas a deputado federal e apenas 25% foram eleitos para a Câmara dos Deputados.
Para mudar essa realidade, a deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ) formulou uma consulta ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre a possibilidade de destinação de reserva de vagas e cota do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (FEFC) para candidatos e candidatas negros.
O tribunal decidiu que a distribuição dos recursos do fundo eleitoral – e do tempo de propaganda no rádio e na TV – deve ser proporcional ao total de candidatos e candidatas negras que os partidos apresentarem a partir das eleições de 2022.
Essa decisão – se efetivamente cumprida – poderia alterar o cenário de sub-representação de negros nas Casas legislativas, da mesma forma como ocorreu com as mulheres nas eleições de 2018. Graças à obrigatoriedade imposta aos partidos pelo STF e pelo TSE de destinar no mínimo 30% dos recursos para candidatas, as mulheres receberam mais recursos de campanha em comparação a 2014, ano em que esta regra não valia.
Mas essa regra favoreceu muito mais as mulheres brancas, evidenciando a desigualdade de raça na distribuição de recursos de campanha, como mostra pesquisa da FGV Direito SP. Por isso, uma justa distribuição dos recursos de campanha requer a criação de políticas públicas que levem em consideração não apenas o gênero, mas a sua relação com a raça.
Decisões judiciais como estas têm a capacidade de transformar realidades e problemas de justiça distributiva. Se, de um lado, elas impõem a limitação da autonomia partidária na distribuição dos recursos do fundo eleitoral e do tempo de rádio e TV – de outro, criam medidas capazes de ampliar a representação de negras e negros no Poder Legislativo.
É o momento de decidir se devemos privilegiar interesses particularistas ou favorecer a consolidação da democracia.
*Luciana Ramos é professora da FGV Direito SP