Crimes devem ser combatidos, mas com respeito às regras do jogo; veja análise

Para condenar um réu, qualquer que seja ele, não vale atropelar a Constituição. Não vale tudo

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Por Roberto Dias
Atualização:

A 13ª Vara Federal de Curitiba, no âmbito da Operação Lava-Jato, deveria julgar apenas os casos relativos a fraudes e desvios de recursos da Petrobras. Isso o STF já tinha decido há tempos.

Há dois dias, o ministro Fachin declarou a incompetência da 13ª Vara para processar e julgar as ações penais movidas contra o ex-presidente Lula nos casos do Triplex do Guarujá, do Sítio de Atibaia e do Instituto Lula. Fez isso exatamente porque reconheceu que tais ações não apontavam atos praticados pelo ex-presidente que tivessem relação direta com os ilícitos ocorridos na Petrobras.

O ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF Foto: Roberto Jayme/ASCOM/TSE (25/5/2020)

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A Constituição limita a atuação do Estado que acusa, do Estado que julga. E garante ao acusado de um crime o direito de ser processado por uma autoridade competente, ou seja, por um juiz ou tribunal que não tenha sido designado para apreciar um caso específico ou julgar um cidadão determinado, escolhido discricionariamente.

O ex-juiz Sergio Moro, ao avocar os casos que não tinham relação direta com a Petrobras, rompeu com a garantia do juiz natural. Com base nisso, o ministro Fachin reconheceu a nulidade das decisões proferidas pelo ex-juiz e remeteu os casos ao juízo competente, ou seja, a Justiça Federal do DF.

Surpreendentemente, ontem, a 2ª Turma do STF retomou o julgamento do caso que discute a parcialidade do ex-juiz Moro na condução dos processos contra Lula, sob o argumento de que os procuradores da Lava Jato e o então magistrado teriam agido em conluio, como revelariam as mensagens trocadas por eles. Mas o julgamento foi suspenso com o pedido de vista do ministro Nunes Marques, e o placar está em 2 a 2.

E agora? Primeiro: enquanto a decisão monocrática do ministro Fachin não for revista, Lula deixa de ter condenações em segunda instância e, portanto, volta a ser ficha limpa. Segundo: o ministro Nunes Marques, indicado por Bolsonaro, dará o voto de minerva sobre a parcialidade ou não do ex-juiz Moro e, portanto, sobre a nulidade de todos os atos praticados por ele. Terceiro: é fundamental que o STF reduza drasticamente as decisões monocráticas e defina melhor as competências de cada ministro, das Turmas e do Plenário. Isso trará mais segurança jurídica, menos surpresa e mais prestígio à Corte. Quarto: o Supremo pode ter demorado a decidir, mas – gostemos ou não deste ou de qualquer outro réu – sempre é louvável a restauração das garantias constitucionais violadas.

Os crimes devem ser combatidos, mas com respeito às regras do jogo. Para condenar um réu – qualquer que seja ele –, não vale atropelar a Constituição. Não vale tudo.

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* ROBERTO DIAS É PROFESSOR DA FGV DIREITO SP

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