Análise: A tentação governista

Perda de apoio popular foi o estopim para que Bolsonaro mudasse de posição sobre a importância de sua relação com o Congresso

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Por Graziella Testa e Gabriela Lotta
Atualização:

A perda de apoio popular foi o estopim para que o Presidente da República mudasse de posição sobre a importância de sua relação com o Congresso. Aos poucos, uma coalizão volta a se desenhar, embora frágil. Quanto mais tênue é o laço que une presidente e partidos na coalizão, mais caro é este apoio para o presidente. E também mais vantajoso se torna para os parlamentares que exercem um mandato pouco programático e focado apenas na execução de emendas parlamentares e ocupação de postos com orçamento discricionário. Se esse perfil de parlamentar passou dois anos sem acesso aos tão desejados recursos, agora a promessa é que o Executivo compense esse apetite, que é crucial para as eleições parlamentares de 2022.

O Executivo tende a se tornar o amigo rico e desagrádavel, do qual todos querem usufruir (embora nem sempre se associar). Mas o potencial de usufruto do Executivo por parlamentares pode tornar árdua a união dos descontentes em uma oposição uníssona. Essa tarefa, esboçada por João Doria e o PSDB paulistano, se tornará mais difícil caso Arthur Lira se confirme como novo presidente da Câmara. Doria perderá articulação direta com o presidente da Casa, e terá que disputar a atenção dos parlamentares com os recursos e cargos distribuídos pelo Executivo. O cálculo do grupo que o apoia hoje será entre esperar um futuro melhor, caso Doria vire presidente, ou aproveitar o que tem agora à disposição. E sabemos que dificilmente os dois pássaros voando levam a melhor sobre o pássaro na mão. 

O presidente Jair Bolsonaro Foto: Eraldo Peres/AP

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Um dos exemplos desse contexto é o que acontece agora com o Democratas (DEM), que expôs suas discrepâncias regionais e rachou em torno das eleições da Mesa da Câmara e Senado. Ou seja, o cenário parece mais difícil para Doria e para o PSDB, mas essa não é a história completa. Ainda há muita crise econômica, política e de saúde pela frente. 

Não sabemos ainda como Bolsonaro irá se comportar frente à frágil coalizão que se desenha. Também não sabemos como o agravamento da crise econômica e pandêmica irá reverberar no apoio popular e nas manifestações de rua. E as disputas em torno da vacinação, encabeçadas por Doria, estão só começando. Resta também saber se o presidente irá cumprir com as muitas promessas que está fazendo para construir essa coalizão e como isso irá comprometer o orçamento público e seu apoio pela ala econômica. Para além disso, o ressentimento de promessas não cumpridas costuma ser devastador em política. O cobertor é curto e o período parlamentar do ocupante da cadeira não demonstra uma particular capacidade de articulação.

*Graziella Testa é professora da FGV-EPPG e IDP; Gabriela Lotta é professora da FGV-EAESP

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