Ameaças de Bolsonaro ao STF justificam abertura de impeachment, dizem juristas 

Desobedecer a Justiça, como citado em discurso na Avenida Paulista, também poderá enquadrar presidente em crime comum, passível de denúncia da PGR

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Por Vinícius Valfré
Atualização:

BRASÍLIA - As ameaças ao Supremo Tribunal Federal (STF) e a promessa de desobediência de decisões judiciais feitas por Jair Bolsonaro, em pronunciamentos em Brasília e São Paulo, nesta terça-feira, 7, podem ser classificadas como crime de responsabilidade do presidente e, portanto, serem motivo para abertura de processo de impeachment. A avaliação é de juristas consultados pelo Estadão.

O presidente Jair Bolsonaro durante manifestação do 7 de setembro na Avenida Paulista, onde discursou Foto: Andre Penner/AP Photo

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Juristas afirmam que ao atacar magistrados por decisões que o desagradam e ao não respeitar decisões do Congresso, por exemplo, o presidente infringe o artigo 85 da Constituição, que reputa como crime de responsabilidade "atentar contra o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação."

Nos discursos, Bolsonaro disse que não pretende cumprir decisões do ministro Alexandre de Moraes, que tem a relatoria, no STF, de alguns dos principais processos que afetam aliados e o próprio presidente. Além disso, insuflou seus apoiadores contra as demais instituições. 

O método compromete a independência e harmonia entre os Poderes, considera o advogado especialista em Direito Constitucional Acacio Miranda da Silva Filho. "As ameaças que faz ao STF e, consequentemente, à separação dos Poderes, por si só, são suficientes para ocorrências de crime de responsabilidade e para instauração de processo de impeachment. A partir do momento que o chefe do Poder Executivo atenta contra a separação de Poderes, há possibilidade da ocorrência de crime de responsabilidade e impeachment", disse.

A opinião é corroborada pelo procurador-geral de Justiça de São Paulo, Mário Luiz Sarrubbo. "A manifestação do presidente configura crime de responsabilidade, pois atenta contra a independência e harmonia entre os Poderes", afirmou.

O comportamento do presidente no 7 de setembro também poderia destravar um processo de remoção de Bolsonaro, independentemente de as ameaças serem cumpridas ou não. Isso porque a Lei do Impeachment (1.079/50) define como crime passível de perda do cargo "proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo".

"Não é a primeira conduta do presidente qualificável como crime de responsabilidade. Então isso deveria no mínimo servir para a Câmara como um sinalizador do descompromisso do do presidente com a Constituição Federal e com os arranjos constitucionais e, ao menos, servir para decidir sobre um pedido de impeachment", comentou Davi Tangerino, advogado criminalista e professor da FGV São Paulo.

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Em discurso na Avenida Paulista nesta terça, o presidente Jair Bolsonaro afirmou, quanto ao seu futuro político, que apenas sairá 'preso, morto ou com a vitória' Foto: Miguel Schincariol/AFP

Para o advogado criminalista Fábio Tofic Simantob, as declarações e a conduta de Bolsonaro nesta terça se somam a outras que também podem ser enquadradas como crime de responsabilidade. 

"Crime de responsabilidade me parece que ele já cometeu vários. As ameaças que faz aos ministros, que fez ao Luís Barroso na questão do voto impresso, as que fez quando teve a decisão que barrou a nomeação do Alexandre Ramagem para a PF mostram que são reiteradas. O presidente afronta as instituições, ameaça o STF. Isso é crime explícito da lei do crime de responsabilidade", declarou. 

Pressão sobre Lira

Membro da Academia Brasileira de Letras e professor de Direito Constitucional, Joaquim Falcão disse que Bolsonaro agrediu ministro do Supremo, declarou que não cumpriria mais decisão judicial, exigiu o voto impresso que o Congresso rechaçou,desacreditou a autoridade do Tribunal Superior Eleitoral, a ponto de dizer que o futuro dele prevê prisão, morte ou “vitória” e que prisão não será opção. 

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"A Constituição diz que é crime atos do presidente que atentem contra o livre exercício do Poder Judiciário, a segurança interna do país, a probidade na administração e, sobretudo, o cumprimento das leis e das decisões judiciais. Há violações da lei de impeachment. 'Opor-se diretamente e por fatos ao livre exercício do Poder Judiciário', 'usar de violência ou ameaça, para constranger juiz', 'subverter ou tentar subverter por meios violentos a ordem política e social', 'proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo' (art. 9, 7)", escreveu Joaquim Falcão ao Estadão.

Ele afirmou que o importante agora é a ação do presidente da Câmara, Arthur Lira, "a quem cabe fazer a Constituição valer". "Cabe ao deputado Arthur Lira e a 2/3 da Câmara dos Deputados a responsabilidade de admitir denúncia e afastar provisoriamente o presidente. Fazer com que a Constituição e as leis não sejam apenas palavras vazias. Não cabe mais tolerância com o intolerável", disse o professor. 

'Reforço sobre crimes anteriores'

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Na avaliação do professor de direito público da FGV Rio Wallace Corbo, a conduta do presidente nas manifestações de hoje reforça atos já cometidos anteriormente por Bolsonaro que podem ser enquadrados como crimes de responsabilidade e foram citados em pedidos de impeachment e introduz novos crimes que podem ser atribuídos a ele. “Estamos falando de pelo menos três crimes: atentar ao livre exercício do Poder Judiciário, atentar ao exercício de direitos políticos por conta do ataque às eleições e deixar de cumprir leis e no caso decisões judiciais”, afirmou.

Além disso, o jurista considera que a mobilização da máquina pública para a participação nos atos pode render ao presidente potencial acusação de improbidade administrativa, além de abuso de poder político e econômico para fins eleitorais. “Se ficar configurado que ele na condição de presidente se valeu do cargo para mobilizar a população para fins eleitorais seria configurada prática de abuso de poder político, inclusive podendo levar à inelegibilidade do presidente, algo que o Tribunal Superior Eleitoral já está investigando inclusive por conta de episódios anteriores.” 

Crime comum

Os especialistas consultados pela reportagem também apontam que Bolsonaro sinalizou que pretende cometer um crime comum, aquele que pode ser praticado por qualquer cidadão e é passível de julgamento na Justiça, e não pelo Congresso.

Caso seja concretizada a ameaça de descumprir ordem judicial, o presidente poderá ser enquadrado no crime de desobediência, previsto no artigo 330 do Código Penal. Apesar de o crime ser considerado de menor potencial ofensivo, com pena branda, de detenção de 15 dias a seis meses e multa, o presidente poderia ser denunciado pela Procuradoria-Geral da República.

Caberia ao Congresso decidir se aceita ou não a denúncia. Na hipótese positiva, Bolsonaro seria afastado da função. "Dependeria de uma denúncia pela Procuradoria-Geral da República. Caberia à Câmara receber ou não. Mesmo sendo um crime de menor potencial ofensivo, bastaria a Câmara receber a denúncia. Digamos que seria o caminho mais rápido para que um presidente da República seja afastado", afirmou Tofic.

"Não é crime que ele pode cometer sozinho"

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Na análise do professor Thomaz Pereira, da FGV Direito Rio,a ameaça de Bolsonaro de não cumprir decisões do ministro Alexandre é grave, justifica um processo de impeachment, mas pode funcionar mais como retórica política para inflamar as bases do que para ter algum efeito prático que possa reduzir o poder do magistrado.

O especialista chama a atenção para o fato de que o cumprimento da maioria das decisões de Alexandre de Moraes que envolvem o governo federal não dependem exclusivamente do chefe do Poder Executivo. Cabem a uma série de outros auxiliares que não desfrutam das mesmas prerrogativas de Bolsonaro.

"É um crime que é muito difícil ele cometer sozinho", disse. "Para além de situações muito específicas, de ordem direcionada para o presidente da república, um descumprimento exigiria que diversas outras pessoas participassem disso. Por mais que seja muito grave ele dizer que vai descumprir, temos que ter esse contexto. Para ele descumprir, outras pessoas teriam que, de fato, descumprir. E essas pessoas não teriam imunidade", afirmou.  /COLABORARAM MARCELO GODOY E ROBERTA VASSALLO

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