BRASÍLIA - O acordo que selou a aliança para o ex-governador Geraldo Alckmin (PSB) ser vice na chapa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Palácio do Planalto, nesta sexta-feira, 8, não interrompeu o processo de “caça às bruxas” instalado no PT. Nos bastidores do partido, há críticas à coordenação da campanha e preocupação com deslizes verbais de Lula, que, nos últimos dias, deram munição para adversários, principalmente apoiadores do presidente Jair Bolsonaro.
Lula tentou consertar afirmações em defesa do aborto e explicar a declaração na qual incentivou que sindicalistas batessem à porta das casas de deputados e de seus parentes para cobrar votações no Congresso. Mas o desgaste já estava feito, tanto que o bombardeio nas redes sociais continua. Além disso, a equipe de Bolsonaro prepara um material com todas as polêmicas frases de Lula para divulgar no início da campanha oficial, em agosto.
Alckmin preferiu o silêncio. Ao ser indicado nesta sexta-feira, 8, pelo PSB para fazer dobradinha com Lula, o ex-tucano afirmou que a hora é de “generosidade, grandeza política e união” e disse estar disposto a somar esforços para a “reconstrução” do País. “Temos hoje um governo que atenta contra a democracia e as instituições”, destacou.
Lula, por sua vez, observou que Alckmin entrava para o time dos “companheiros”, embora uma ala do PT tenha críticas à indicação. Por uma questão de formalidade, o casamento passará pelo crivo do Diretório Nacional do partido, na próxima quarta-feira, 13, mas a chance de veto da aliança é zero.
Não foi à toa que, no começo de seu discurso, ao lado de Alckmin, Lula elogiou a presidente do PT, Gleisi Hoffmann. Fez uma espécie de desagravo a ela. A deputada é alvo de “fogo amigo” até mesmo em sua própria corrente, a Construindo um Novo Brasil (CNB).
Em 2019, antes da pandemia de covid-19, uma ala do PT tentou encurtar o mandato de Gleisi à frente do partido. O grupo não queria que ela conduzisse a campanha deste ano. Argumentava que a deputada levava o PT para uma linha radical e de isolamento e não tinha jogo de cintura político. Lula ainda estava preso quando essas pressões começaram e não aceitou tirá-la do cargo. Tudo o que Gleisi faz tem aval do ex-presidente. É ele quem, de fato, manda no PT.
De lá para cá, no entanto, as queixas sobre estratégias capitaneadas por Gleisi só aumentaram. Soma-se a isso a disputa pelo comando da comunicação na campanha de Lula, como mostrou o Estadão. De um lado está Franklin Martins, que coordena a equipe; de outro, o secretário do PT, Jilmar Tatto.
A sucessão de declarações enviesadas de Lula expôs ainda mais as divergências. Embora o ex-presidente tenha falado de improviso em todas as ocasiões, houve cobranças internas sobre a falta de estratégia política no momento em que pesquisas indicam recuperação da popularidade de Bolsonaro. Na prática, o petista precisa ampliar o leque de apoios para sua candidatura ao Planalto - que será lançada no dia 30, em São Paulo -, e não fazer o discurso do “nós com nós mesmos”.
Uma das avaliações foi a de que Lula está recorrendo à mesma tática usada por Bolsonaro ao dizer apenas aquilo que seu eleitor quer ouvir. Em conversas reservadas, dirigentes do PT argumentaram que a defesa do aborto como questão de saúde pública, feita pelo ex-presidente, puxou a polêmica para a campanha numa hora inadequada. A interrupção da gravidez, atualmente, só é permitida no Brasil em casos de estupro, de anencefalia do feto e quando há risco de vida para a mulher.
O “conselho” para que os sindicalistas pressionassem deputados em suas casas foi dado por Lula há quatro dias, durante encontro da CUT. Não foi a primeira vez que Lula disse isso, mas a época era outra. Na terça-feira, em reunião na Fundação Perseu Abramo, Lula também chamou a elite brasileira de “escravista” e endereçou críticas à classe média por ostentar “um padrão de vida acima do necessário”.
O diagnóstico de uma ala do PT é o de que, com essas manifestações fora do prumo, Lula atiçou ainda mais a divisão e o clima de acirramento existentes no País.A “culpa”, porém, não foi debitada na conta dele, mas, sim, atribuída aos desacertos na coordenação da campanha.