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Grupo de Bolsonaro recebeu R$ 335 mil de fundo eleitoral criticado pelo presidente

Parlamentares que pretendem migrar para partido do presidente financiaram suas campanhas em 2018 com recursos públicos

Por Thiago Faria , Rafael Moraes Moura e Mateus Vargas
Atualização:

BRASÍLIA – Incomodado com críticas sobre a destinação de R$ 2 bilhões do Orçamento para bancar campanhas, o presidente Jair Bolsonaro tem pedido a apoiadores que não votem em candidatos que utilizam recursos públicos nas eleições. O problema é que o “boicote” pode prejudicar seus próprios aliados. 

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Levantamento do Estado mostra que pelo menos 15 parlamentares bolsonaristas tiveram parte dos gastos eleitorais em 2018 custeada com dinheiro do fundo eleitoral. Ao todo, foram R$ 335,2 mil recebidos, o que representa 17% do total arrecadado pelos então candidatos. 

Na lista estão os deputados federais e estaduais que pretendem migrar para o Aliança pelo Brasil, partido que Bolsonaro tenta colocar de pé até abril, a tempo de disputar as eleições municipais de outubro. Inclui ainda o senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ),vice-presidente do Aliança pelo Brasil. 

Flávio não recebeu repasses diretos do fundo eleitoral, mas, na prestação de contas enviada à Justiça Eleitoral, consta que seu ex-partido, o PSL, usou R$ 70 mil do dinheiro público para produzir adesivos e santinhos do então candidato ao Senado. O valor representa 10% dos R$ 712,2 mil arrecadados pelo filho “01” na campanha de 2018. 

O fundo eleitoral é o principal mecanismo de financiamento público dos candidatos e distribuiu R$ 1,7 bilhão em 2018. Ele foi criado em 2017 para compensar a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que acabou com a possibilidade da doação empresarial sob o argumento de que o poder econômico desequilibra o jogo democrático.

Para este ano, na primeira eleição municipal abastecida majoritariamente com recursos públicos, o Congresso aprovou destinar R$ 2 bilhões do Orçamento para financiar os candidatos. Bolsonaro chegou a indicar que poderia vetar o valor e deixar os partidos sem dinheiro para bancar as campanhas de filiados que tentarão se eleger prefeitos e vereadores. Depois, porém, o presidente mudou o discurso e disse que, caso vete, poderia incorrer em crime de responsabilidade, sinalizando que deve sancionar a proposta. Ele tem até a próxima segunda-feira, 20, para decidir. 

“Eu tenho um momento difícil pela frente que são os R$ 2 bilhões do fundão. Eu lanço a campanha: não vote em parlamentar que usa o fundão”, disse o presidente na sexta-feira passada. Nesta quarta-feira, 15, em frente ao Alvorada, voltou a dizer que o Aliança não usará recursos públicos. “A gente espera, brevemente, criar um partido, que não vai ter fundão neste ano nem em 2022. A gente não vai usar, porque é um dinheiro que sai, realmente, do povo, que podia ser aplicado melhor em outro local”, afirmou. 

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O senador Flávio Bolsonaro e seu pai, o presidente; vice da Aliança pelo Brasil, Flávio usou o fundo eleitoral em campanha Foto: Ueslei Marcelino/REUTERS

Fundo representa até 90% da arrecadação de deputados que vão para o Aliança

Assim que formalizado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o Aliança deve ganhar a adesão de pelo menos 27 deputados federais que hoje estão no PSL. Destes, 10 se elegeram com ajuda do fundo eleitoral. A que mais recebeu foi a deputada Major Fabiana (PSL-RJ). Foram R$ 85,5 mil, 90% dos R$ 95 mil que ela arrecadou em 2018. 

A colega de bancada Chris Tonietto (PSL-RJ) também teve quase todas a campanha custeada com o fundo. Foram R$ 73,3 mil dos R$ 78,4 mil que ela arrecadou – o equivalente a 93,5%. 

Entre os deputados estaduais há quem tenha bancado 100% da campanha com dinheiro público. Todos os R$ 33 mil arrecadados por Capitão Assumção (PSL-ES) tiveram como origem o “fundão”. Parte foi depositada diretamente na conta do então candidato e a outra, via repasses de Carlos Mannato (PSL), que disputou o governo capixaba em 2018.

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Advogada diz que parlamentares não serão rejeitados

A advogada e tesoureira do Aliança pelo Brasil, Karina Kufa, afirma que, apesar de não concordar com o uso do fundo eleitoral, a nova legenda não irá rejeitar parlamentares que já tenham utilizado os recursos em campanha.

"Não podemos rejeitar a entrada de parlamentares sérios que acabaram recebendo o FEFC (fundo eleitoral) em 2018, até mesmo porque foi o primeiro ano de existência desse fundo e não é criminoso, só não concordamos com o modelo. Hoje alinhados com o pensamento do Presidente da República, Jair Bolsonaro, nenhum deles usará o FEFC, já que é uma diretriz partidária. O objetivo da Aliança será acabar com a permissão legal de usar recursos públicos em campanha", diz ela, em nota.

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Kufa, que também defende o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), argumenta ainda que, no caso do filho "03" do presidente, os R$ 7,9 mil que constam na prestação de contas enviada à Justiça Eleitoral como recursos do fundo eleitoral dizem respeito ao rateio da propaganda de rádio e TV pago pelo PRTB, partido coligado ao PSL na eleição de 2018.  "O que se verifica é apenas a indicação da fonte de pagamento pelo partido doador (PRTB) da despesa rateada. Portanto, o deputado reforça a sua posição de não recebimento de recursos do Fundo Eleitoral em sua campanha", diz a advogada.

O mesmo argumento é utilizado pelo deputado federal Vitor Hugo (PSL-GO), líder do governo Bolsonaro na Câmara. Ele não reconhece material de campanha pago com recursos públicos por outros candidatos, mas em seu favor, como uso do fundo eleitoral. "Não utilizei o fundo (eleitoral) do PSL. Recebi doação de campanha do Ronaldo Caiado (candidato a governador em Goiás) e do Wilder Moraes (candidato a senador) em santinhos e materiais impressos em valor estimado de aproximadamente R$ 1.000, que, na origem, vieram dos seus respectivos partidos e contas eleitorais", afirmou o deputado.

Daniel Silveira (PSL-RJ) também justifica os R$ 13,3 mil informados na sua prestação de contas como originário do fundo eleitoral como gastos de outros candidatos. “O material já veio confeccionado, sem consulta, no CNPJ que temos e distribuído. O Aliança nasce para ser contra o fundão, que é previsto em lei e muitos utilizam tudo”, afirmou.

Chris Tonietto (PSL-RJ), por meio de sua assessoria, informou que o dinheiro foi "depositado" na conta da então candidata e que ela utilizou o valor "exclusivamente" para bancar "publicidade em jornais".

A deputada Bia Kicis (PSL-DF), que arrecadou R$ 320 mil na campanha - apenas R$ 566 via fundo eleitoral - afirmou que deixou para trás mais de R$ 1 milhão que teria direito ao deixar o Patriota, partido a qual era filiada na eleição. “Foi a campanha mais barata de deputado federal no Distrito Federal. Cada voto saiu a menos de R$ 4”, disse.

O deputado estadual Torino Marques (PSL-ES) disse, primeiro, que não usou dinheiro do fundo. Confrontado com sua prestação de contas, alegou que o dinheiro foi apenas para “alguns santinhos e adesivos”. 

Também procurados, os demais parlamentares citados não retornaram o contato até a publicação da reportagem. / COLABORARAM VINICIUS VALFRÉ e FERNANDA BOLDRIN

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