PUBLICIDADE

Alencar continua sua pregação pela queda dos juros

Por Agencia Estado
Atualização:

"Se fosse fácil, qualquer um resolvia." A frase é do vice-presidente José Alencar, ao reconhecer, em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, a dificuldade para uma solução rápida na queda dos juros. Explicou que a saída não poderá ser a heterodoxa, mas a clássica. E que terá toda a paciência necessária para esperar por ela. A entrevista deve ter surpreendido aos que desconheciam os talentos do ex-parlamentar mineiro, que renunciou a quatro anos de mandato no Senado para transformar-se no vice de Luiz Inácio Lula da Silva. Ele tem sido pintado pela mídia como o mais loquaz opositor da política econômica empreendida até aqui pelo ministro Antônio Palocci Filho e sua equipe. Com erudição, fluência e clareza de raciocínio, entrecortados pelo bom humor e pela serenidade, o vice-presidente acrescentou que sua pregação contra os altos juros vigentes no País não representa qualquer demérito ao que vem sendo feito. Trata-se, segundo disse, de uma "pregação cultural", para que o Brasil de liberte do cabresto em que se encontra amarrado, já há longos anos, e que impede que as empresas cresçam na produção e na exportação para aumentar o nível de emprego e de consumo entre os brasileiros. Socialismo e reformas José Alencar falou de vários outros temas a seus entrevistadores. Abordou o fracasso do socialismo, negou que o PT pretenda repetir o modelo entre nós, mostrou-se compreensivo com João Pedro Stédile - um dos principais líderes do MST -, e desenhou a reforma tributária de seus sonhos. Embora admitisse que o projeto enviado pelo governo Lula ao Congresso é imperfeito, lembrou que foi o possível para obter o consenso necessário à sua aprovação no momento. E, sobre o Banco Central do Brasil, lembrou que ele foi criado em 1964, já no governo Castello Branco, com o projeto então aprovado representando uma cópia dos objetivos que norteiam o Federal Reserve (o banco central dos EUA). Acentuou que o combate à inflação (responsável pelos altos juros cobrados no País, segundo alega a equipe econômica atual) e a defesa da moeda não são as únicas tarefas de um órgão como o BC. Alguns pontos selecionados da fala do vice: Aplausos a Palocci "Nós tivemos por dois ou três meses coisa de 2% a 3% de inflação. Então, isso já acenava para uma inflação de 40% (ano), o que era um desastre. Tudo se perderia se nós não debelássemos aquela expectativa inflacionária. Então, tem que haver palavras de aplauso ao Palocci, porque o trabalho dele foi corajoso e decisivo. Precisava ser feito." O medo de Lula "Havia uma certa preocupação eleitoral, tendo em vista aquilo que se plantou, e é natural que se plantasse numa campanha... Então, as pessoas esperavam o caos com a vitória do Lula. E considerando que as pesquisas indicavam a vitória dele, então isso pode ter agravado o quadro (econômico). (...) Então, nós tivemos aquela situação delicadíssima: inflação recrudescendo, o risco Brasil subiu a 2 600 pontos, o que correspondia a um spread externo a qualquer empréstimo, para o setor público ou para o setor privado, além dos juros normais. O dólar chegou a quase quatro reais. Então, aquilo tudo alimentou a inflação, especialmente os preços das commodities, do seguro, chegou inclusive no atacado, no que eles (os técnicos) chamam de inflação inercial." Juros reais e inflação "Se nós fizermos o cálculo da taxa de juros real, hoje, mesmo com a expectativa de inflação posta pelo mercado, e não por nós, porque a minha expectativa é de que a inflação, nos próximos 12 meses, será de 4%. Alguns, mais conservadores, falam em 6%, e o mercado fala em 8%. Menos 8% de inflação, grosso modo, daria 18% de juros reais. Isso é uma taxa 18 vezes (maior) à taxa praticada nos países com os quais nós temos que competir. E são os países do G-20." Cabresto "O Brasil está se esvaindo com os juros, e não é de hoje. (...) Isso não é uma tarefa para técnicos, é uma tarefa de decisão política. Eu nunca falei sobre o Copom. o Copom é uma entidade. (...) O Brasil libertar-se dessa cultura que nos envolveu. Os técnicos, os mestres falam que nós estamos numa armadilha. Eu digo que nós estamos é encabrestados, pela dívida e pelos juros." Crescer imediatamente "Nenhum de nós tem, por exemplo, a sensibilidade como o Lula para o fato de que o Brasil precisa crescer imediatamente. O Brasil precisa gerar oportunidades de trabalho para as pessoas. O Brasil precisa urgentemente começar um processo de melhor distribuição de renda nacional. E isso só pode acontecer com o desenvolvimento da economia .A economia não é economês. Economia significa bens econômicos, força econômica, para qualquer país. E é representada por quatro componentes básicos (ver mais adiante). (...) O Brasil está absolutamente na contramão do que está acontecendo, não é o nosso governo não, nós recebemos isso, vem de longos tempos. E não tivemos tempo suficiente para mudar isso, tendo em vista o encabrestamento." Catequese "A queda dos juros me dá prejuízo, porque não sou tomador, eu sou aplicador. (...) O governo todo, a começar do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, depois do ministro da Fazenda, o ministro da Casa Civil, todos são absolutamente conscientes de que o Brasil precisa sair dessa diferença que o prejudica em relação aos países com os quais ele compete. Precisa de voltar a crescer, gerar emprego e gerar condições para a distribuição da nossa renda. (...) Isso que eu faço (as críticas que lhe s ão atribuídas) é um trabalho até de catequese para uma mudança cultural." Por quê não crescer? "Por quê o Brasil tem que correr esse risco (de não crescer)? O Brasil é um dos maiores países do mundo em recursos naturais e humanos. O Brasil é competitivo na agricultura, na pecuária, na mineração, na agroindústria, na indústria de base, na indústria de transformação. É competitivo no potencial turístico que possui. Para você ter uma idéia, um metro cúbico de madeira posto no pátio de uma fábrica de celulose no Brasil custa um terço desse mesmo mestre cúbico posto no pátio de uma fábrica nos Estados Unidos, no Canadá e na Escandinávia. E nós só temos 1% do mercado (de celulose). As nossas empresas não podem se alavancar, porque elas não têm como compensar o grau de endividamento. As (empresas) daqueles países podem fazer investimentos com 80%, 90% de grau de endividamento. E isso eles tiram de letra. Aqui não há como fazer isso." Zerando o risco Brasil "Ele (Lula) acha que tem um momento, que há um tempo para cada coisa. Eu também acho que há um tempo para cada coisa. Só que eu, como sou empresário, me habituei a ter pavor de dívidas. (...) O Brasil, que paga uma taxa despropositada (de juros), está se esvaindo. Para você ter uma idéia, 1% (da taxa Selic) custa de 600 a 700 milhões de reais por mês. A saída clássica é fazer com o que o Brasil construa saldos adequados em sua balança comercial, porque neste dia ele terá superávit em suas transações correntes. E acabado nosso constrangimento cambial. não temos que ficar pagando juros caros, na dependência desse capital volátil que entra e sai. E o Brasil cresce na sua respeitabilidade e o risco Brasil cai a zero. E a nossa taxa de juros vai ser compatível com as atividades produtivas." Paciência e vontade política "Isso (a queda de juros) não vai acontecer de uma tacada abrupta. Nós temos que construir as condições. Eu estou trabalhando para construir uma mentalidade de defesa dos interesses nacionais e de consciência de que o País não pode pagar esses juros, por que está se esvaindo. (...) Nós temos que fazer como determinados países da Ásia excepcionais. Por exemplo, a China, a partir de 94, ela passou a trabalhar com uma taxa básica igual à da Tchecoslováquia. (...) Eu sou paciente e espero o quanto for preciso, mas vou continuar brigando por isso. (...) É preciso criar uma vontade política, e essa vontade política mais forte advirá com a vontade da sociedade. É a sociedade, como um todo, que vai criar condições para que o Brasil alcance um patamar próprio no campo negocial." O exemplo do Fed "Nos Estados Unidos, o equivalente ao nosso Copom aqui, tem representantes regionais e setoriais. E tem representantes de escolas (econômicas) diferentes. Porque nos Estados Unidos cada escola enfatiza uma determinada linha. Eles têm como objetivo, por exemplo, que os agregados financeiros e de crédito sejam compatíveis com o potencial de crescimento econômico. Um outro objetivo é o máximo de emprego. (...) Aqui, parece que o objetivo é só a inflação. (...) Então, nós temos que compatibilizar as coisas, porque se fosse fácil qualquer um resolvia." Os avanços com Palocci "Nós reduzimos o risco Brasil de 2 600 para 700 pontos, recuperamos as linhas de crédito no exterior, valorizamos o real. E, mais do que isso, nós obtivemos um crédito político, com a vitória consagradora (de Lula) (...) Nós obtivemos a unificação dos benefícios sociais, nós vamos lançar agora, este mês, o programa do primeiro emprego." Reforma tributária "Cada um de nós tem a sua reforma tributária na cabeça. Eu, quando faço a defesa de um sistema tributário que facilite a capacidade competitiva nacional, (leve em conta) o mercado internacional, e que permita que nós diminuamos essa canga gigantesca (que pesa sobre o País) de pequenos empresários fora da lei, na informalidade (que não pagam impostos). Então muitos têm, cada um tem a sua reforma. A reforma tributária que está no Congresso foi a possível. O presidente teve o cuidado de fazer reuniões, não só com os técnicos de cada Estado, mas também, pessoalmente, com todos os governadores. Agora, se você me perguntar sobre a minha reforma tributária, ela seria, dentro do caminho clássico. Porque há muitos que defendem o caminho que o doutor Roberto Campos chamava de eletrônico, que era aquele imposto único criado pelo doutor Marcos Cintra, que depois foi deputado federal. (...) Mas acontece que o imposto único é uma utopia." O caminho clássico "O caminho clássico que sobrou, desde que contasse com o apoio de todos os governadores, seria aquele de três impostos: um indireto e dois diretos. O indireto seria sobre o consumo, com qualquer nome que viesse. Ele pode ser em função do valor agregado, imposto de consumo mesmo, IPI ou ICMS, não importa o nome. Ele teria que ser pago em todas as operações, dando direito de crédito à operação subseqüente, para não ser cumulativo. Ou então, uma outra operação, como acontece em alguns países, como os Estados Unidos e a Inglaterra. Então, o imposto é pago na última operação. O valor é o mesmo. Tanto faz você fazer em todas as operações como na última, mas a reação é rigorosamente a mesma. Mas isso é muito difícil, porque as pessoas confundem no Brasil imposto direto com indireto. Imposto indireto é o imposto de consumo. Cada empresário acha que o ICMS pesa sobre ele. E não pesa. O ICMS, que é um imposto indireto, pesa no consumidor. Então, assim seriam os três impostos. Os dois impostos diretos seriam sobre a renda e a propriedade. O imposto de renda para a pessoa física e a jurídica; e, na propriedade, para as áreas rural e urbana." IOF e outros impostos "Mas o Estado não poderia abrir de alguns impostos, que não têm fim arrecadatório, mas que são instrumentos de administração. Por exemplo, o IOF é um imposto que é um instrumento de administração de política monetária. Isso é absolutamente essencial. Da mesma forma, o imposto sobre o comércio exterior. O governo tem de praticar tarifas aduaneiras, até sem respeito ao princípio da anualidade. De repente, ele tem que mudar uma alíquota no meio do ano, e tem que prevalecer imediatamente, como instrumento d e definição. Então, para simplificar o sistema tributário, nós teríamos que terminar com os impostos em cascata. E essa reforma nós vamos fazer. Ela acaba com os impostos em cascata, ela simplifica grandemente esse imposto principal do Brasil, que é o ICMS, que tem 27 legislações diferentes. Cada Estado com a sua legislação. (Com a reforma) passa a ter apenas uma legislação." A saída cambial "O Brasil só tem uma saída, clássica, para essa situação a que chegou. E essa saída clássica é a cambial. É através do trabalho e da produção, e do crescimento das exportações. Não tem outra saída." O PT e o socialismo "Hoje, todo mundo sabe que todos os partidos, de qualquer coloração, pensam no bem comum. Hoje, todos estão lutando para que se alcance os objetivos sociais, e sabem que não é necessariamente por razões de um governo, de coloração partidária de esquerda ou de direita é que vai resolver isso. Essa é uma imagem do passado. Nós tivemos, por exemplo, a Alemanha Ocidental e a Oriental, a Coréia do Sul e a Coréia do Norte... Tivemos o exemplo dos fracassos de Angola e Moçambique, com as experiências que foram feitas. Nós estamos vendo, por exemplo, a China, sabiamente, não fazer a glasnost, abruptamente, como fizeram Gorbatchev e Yeltsin. Aquilo foi de certa forma uma irresponsabilidade, tanto que desintegrou o país. A China não pode fazer esta abertura, gradual e lentamente, com 50 anos ou 500 anos." (...) Stédile e o MST "Eu, a priori, avalio que as pessoas para mim são honestas. Eu avalio a pretensão do Stedile como de realmente fazer uma reforma agrária no País. Então, esse trabalho que ele está tentando fazer é de dar condições para que a reforma agrária se realize. Isso é o que eu penso, e só posso pensar assim."

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.