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Além do presidente, CPI da Covid deve pedir indiciamento de filhos de Bolsonaro em relatório final

Comissão deve imputar crimes ao senador Flávio Bolsonaro, ao deputado Eduardo Bolsonaro e ao vereador Carlos Bolsonaro

Foto do author Julia Affonso
Foto do author Luiz Vassallo
Por Julia Affonso , Marcelo de Moraes e Luiz Vassallo
Atualização:

BRASÍLIA – Depois de quase seis meses de investigação, o relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, no Senado, deverá propor na semana que vem o indiciamento de pelo menos 64 pessoas, incluindo o presidente Jair Bolsonaro, seus três filhos políticos, ministros e médicos. O parecer final será assinado pelo relator, Renan Calheiros (MDB-AL). A intenção é mostrar que as condutas que teriam levado o País a registrar mais de 600 mil mortes pela doença não se limitaram a integrantes do governo, mas partiram de toda uma rede próxima ao presidente.

O relatório deve imputar uma série de crimes que teriam sido cometidos durante a pandemia pelo senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e pelo vereador do Rio Carlos Bolsonaro (Republicanos). Renan passou a sexta-feira, 17, reunido com integrantes da CPI para amarrar o conteúdo do relatório. Eles discutem como tipificar os crimes de cada um.

Carlos Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro e Flávio Bolsonaro, filhos do presidente Jair Bolsonaro. Foto: Dida Sampaio/Estadão

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A intenção é propor o indiciamento dos filhos do presidente por espalhar informações falsas sobre a pandemia e buscar financiamento para essas ações. O texto poderá acrescentar mais uma responsabilização para Flávio, de advocacia administrativa, por ter intermediado um encontro do empresário Francisco Maximiano, da Precisa Medicamentos, com o BNDES. A empresa foi responsável por um contrato bilionário do governo brasileiro com a farmacêutica indiana Bharat Biotech para compra de vacinas – que foi cancelado após suspeita de corrupção.

Nos casos de Eduardo e Carlos, o relator deve propor o indiciamento por incitação a crimes sanitários. O artigo 286 do Código Penal estabelece como delito “incentivar, estimular, publicamente, que alguém cometa um crime” e prevê pena de detenção de 3 a 6 meses e multa. Na avaliação dos senadores, os dois filhos do presidente teriam atuado na propagação de fake news, alimentando o negacionismo sobre a doença.

Jair Bolsonaro deve ser indiciado por ao menos 11 crimes cometidos na pandemia: epidemia com resultado morte; infração de medidas sanitárias; emprego irregular de verba pública; incitação ao crime; falsificação de documento particular; charlatanismo; prevaricação; genocídio de indígenas; crimes contra a humanidade; crimes de responsabilidade; e homicídio por omissão. Além do presidente, devem ser indiciados pela CPI três dos atuais ministros – Marcelo Queiroga (Saúde), Onyx Lorenzoni (Trabalho) e Wagner Rosário (Controladoria-Geral da União) – além de ex-integrantes da pasta da Saúde, como o ex-ministro Eduardo Pazuello, o ex-secretário executivo Elcio Franco e o ex-diretor de Logística Roberto Dias.

Pazuello, que chefiou a Saúde durante nove meses da pandemia, deve ser acusado de cometer sete crimes: epidemia com resultado em morte; incitação ao crime; emprego irregular de verbas públicas; prevaricação; comunicação falsa de crimes; genocídio indígena; e crimes contra humanidade. Já Elcio Franco, seu braço direito na pasta, pode ser indiciado por crime de epidemia, improbidade, prevaricação, entre outros.

Ao adiantar as conclusões que estarão em seu documento, o relator desagradou ao presidente da comissão. “Acho deselegante estar vazando, acho que faltou respeito, pelo menos ao G7. Então, não é legal”, disse ao Estadão o senador Omar Aziz (PSD-AM) (mais informações nesta página). O relatório final da CPI deve ser divulgado para os demais senadores no fim da tarde de segunda-feira. No dia seguinte, ele será lido na comissão e votado na quarta-feira. Os parlamentares irão à Procuradoria-Geral da República na quinta-feira entregar formalmente o documento ao procurador Augusto Aras, chefe da instituição.

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Além de sugerir o indiciamento de Bolsonaro, ministros e filhos do presidente, Renan vai propor no relatório final medidas a serem adotadas a fim de driblar um possível engavetamento das investigações. Uma delas é a proposta para mudar a lei do impeachment e fixar um prazo para que o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), analise pedidos contra Bolsonaro. O texto também prevê submeter qualquer decisão que Aras venha a tomar diante do relatório da CPI a um colegiado de membros da PGR. Renan também quer levar o documento final ao Tribunal Penal Internacional (TPI). 

Advogados e procuradores afirmaram ao Estadão que as medidas sugeridas por Renan podem ter de passar por um longo processo até serem aprovadas e que, em parte, são inconstitucionais. Procuradores disseram reservadamente que decisões do procurador-geral sobre inquéritos criminais não podem ser submetidas a qualquer colegiado. Em uma situação extrema, caso haja indícios de que um eventual arquivamento do relatório por parte de Aras seja fruto de crime de prevaricação, o PGR pode ser investigado. 

A advogada constitucionalista Vera Chemim disse que a comissão do Senado tem atribuições específicas de investigação, e que “a proposição de uma mudança legislativa vinda do colegiado de uma CPI contrasta frontalmente com as suas competências previstas na Carta Magna”. 

‘Alucinação’. Em nota, Flávio Bolsonaro afirmou que o relatório de Renan “é uma alucinação, não se sustenta e é um desrespeito com as quase 600 mil vítimas da covid que esperavam algo de útil da CPI”. “Trata-se de uma peça política para agradar ao PT e para tentar desgastar o presidente Jair Bolsonaro nas eleições de 2022.” Segundo ele, as acusações contra ele e o governo “não têm base jurídica e sequer fazem sentido”. Flávio disse que “todas as vacinas aplicadas no País, sem exceção, foram compradas pelo governo Bolsonaro”. 

Procurados, Eduardo, Carlos e os ministros citados não haviam se manifestado até a conclusão desta edição.

‘Ninguém vai votar nada com o estômago’, diz Aziz

O presidente da CPI da Covid, Omar Aziz (PSD-AM), criticou as declarações do relator, Renan Calheiros (MDB-AL), sobre suas conclusões no relatório final. “Eu acho deselegante estar vazando acho que faltou respeito, pelo menos ao G7 (ala majoritária da comissão que une oposicionistas e independentes). Então, não é legal”, disse ao Estadão

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Aziz também afirmou que discorda de parte do conteúdo que tem sido divulgado pelo relator à imprensa. “Eu não acho que tenha genocídio, tem que se provar isso. E eu não tô aqui para fazer cavalo de batalha em relatório não.

A gente vai votar aquilo que é correto. Ninguém vai votar absolutamente nada com estômago aqui”, disse. “Não presidi uma CPI seis meses para chegar o relatório e achar que o fígado vai me vencer.” 

Aziz declarou que não existe um consenso ou uma articulação entre os senadores em torno do relatório. “Não conversei com Renan sobre relatório nenhum. Aliás, ele não conversou com ninguém dos senadores. Nenhum desses crimes, eu não sei. Ele vai ter de dizer por quê.” 

Paralelo. Suplente na CPI, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) se antecipou e divulgou um relatório paralelo na sexta-feira. No parecer, o parlamentar sugeriu o indiciamento de 17 investigados, incluindo Bolsonaro, mas não seus filhos. “Ser um babaca não é crime. Falar coisas estúpidas, em regra, também não. Mas fazer gestão pública baseada em coisas estúpidas é crime”, disse. “As condutas referentes à desinformação serão melhor apuradas na CPMI das Fake News e no inquérito do STF. O foco da CPI deve ser a pandemia, especialmente as mortes evitáveis que a política criminosa de Bolsonaro causou”, disse. 

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