Agenda pós-pandemia busca reformar Estado

Proposta de economistas diz que desafio do País é tornar gasto público mais eficaz

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Por Daniel Bramatti
3 min de leitura

Não basta voltar à normalidade. Um Estado engessado, ineficiente e capturado por grupos de pressão será incapaz de oferecer respostas aos estragos de longo prazo da pandemia de covid-19 nas contas públicas, no mercado de trabalho e nos setores produtivos. A saída não é ampliar os gastos, mas fazer com que os recursos sejam bem aplicados, e que a arrecadação não sobrecarregue os mais pobres. Este são os argumentos centrais de uma proposta de “agenda pós-pandemia”, cuja primeira parte será publicada nesta segunda-feira, 6, pelos economistas Marcos Lisboa, Marcos Mendes, Laura Muller Machado, Ricardo Paes de Barros e Vinicius Botelho.

Emergencial. Pessoas formam fila em São Paulo para sacar o auxílio de R$ 600 Foto: Alex Silva / Estadão

Para se esquivar da polarização entre desenvolvimentistas e liberais, alas com diferentes visões sobre o tamanho e o papel do Estado na economia, os autores do documento propõem uma agenda pós-covid focada no aumento da eficácia das políticas públicas e no enfrentamento dos problemas crônicos do Brasil.

Marcos Lisboa, presidente do Insper (instituição de ensino superior com sede em São Paulo) e secretário de Política Econômica de 2003 a 2005, no começo do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, afirma que decidiu coordenar a elaboração do documento ao observar que o debate sobre o enfrentamento econômico à pandemia estava focado no aumento dos gastos. “A discussão não estava entrando no problema principal, que é a dificuldade do Estado de realizar de forma eficaz tanto a arrecadação quanto o gasto público.”

O texto dos economistas alerta que o País entrou “fragilizado” na pandemia. “Embora tenha virado moda falar em expansão dos gastos e das políticas públicas, o Brasil não está em condições de fazê-lo. Estamos andando sobre gelo fino e com alto risco de perder o controle da nossa dívida pública, o que nos legaria décadas de inflação alta, instabilidade cambial e estagnação do crescimento econômico. Ao querer expandir a despesa pública para ajudar os mais pobres, poderemos prejudicá-los, expondo-os à falta de emprego e de oportunidades de melhora na qualidade de vida.”

Implementação

Embora as sugestões de reformas possam ser lidas como um programa de governo, Lisboa afirma que elas não foram feitas com nenhum político em mente, e que em tese podem ser adotadas por qualquer corrente ideológica. “Vai depender muito se de fato (o político) está comprometido com a melhora das políticas públicas ou com os interesses das corporações organizadas”, diz o economista. “Nosso papel é trazer os dados e evidências. Como implementar, aí é uma questão da política.” 

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Um aspecto enfatizado na proposta de agenda pós-pandemia é a necessidade de mudar o foco das discussões entre distintas correntes de economistas. O documento afirma que o debate econômico no Brasil “tem se perdido em polêmicas que ignoram nossos problemas mais profundos”. “A controvérsia usualmente contrapõe desenvolvimentistas, que defendem a necessidade da intervenção do Estado para promover o crescimento econômico, e liberais, que criticam o tamanho excessivo do poder público e as suas intervenções fracassadas. (...) Esse debate, no entanto, ignora a relevância de se fazer um bom desenho da política pública e de seus instrumentos para que sejam eficazes e levem aos objetivos pretendidos.”

Tópicos

A primeira parte da proposta de agenda, à qual o Estadão teve acesso, analisa “qualidade do gasto e tributação”, e tem capítulos dedicados ao temas como baixo crescimento, alto gasto público, baixo aprendizado, desigualdade, proteção a pessoas de baixa renda, inclusão produtiva e socorro a Estados e municípios.

O trabalho apresenta dados que mostram que, em comparação com outros países emergentes, o Brasil aplica mais recursos e obtém menos resultados positivos – por exemplo, nas áreas da educação e da redução de pobreza. 

Ao tratar do sistema tributário, os economistas propõem mudanças para torná-lo “mais justo para a sociedade, mais neutro para os investimentos e menos danoso ao ambiente de negócios”. Para eles, as distorções na arrecadação de impostos contribuem para reforçar as desigualdades sociais. “No Brasil, não somos apenas ineficientes na alocação dos gastos públicos, mas também na forma como tributamos os mais ricos.”

O trabalho traz críticas às políticas de cobrança seletiva de impostos, com diferentes alíquotas a depender dos produtos de consumo sobre os quais incidem. “Esse mecanismo não olha para o comprador, mas para o produto comprado, ou seja, não importa se quem está adquirindo o produto essencial é alguém de alta ou baixa renda. Na prática, isso faz com o que o Estado renuncie a muito mais do que o necessário para beneficiar aqueles que precisam.” 

Outro aspecto criticado é o fato de, no Brasil, os impostos se concentrarem mais nas empresas do que nas pessoas físicas. “Ao tributarmos o lucro quando apurado, não é possível diferenciar quem e quanto cada sócio ficou mais rico. Ao adotar um sistema misto, cobrando-se uma parte antecipadamente da pessoa jurídica e outra parte após a distribuição, seria possível uma tributação proporcional.”

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