Afirmação de Bolsonaro sobre vacina e aids deu último gás à CPI

Presidente chega ao fim da comissão como alguém que usa cargo para atacar a ciência, desdenhar de vacinas e fazer aglomerações

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Por Eliane Cantanhêde
Atualização:

BRASÍLIA — O presidente Jair Bolsonaro deu um presentão para o gran finale da CPI da Covid: a mentira absurda, chocante e irresponsável de que duas doses de vacinas provocam aids na Inglaterra foi a derradeira prova cabal do negacionismo patológico e da ação criminosa do presidente na pandemia.

Bolsonaro deu um tiro no próprio peito e a CPI afirma-se como a mais bem-sucedida da história contemporânea, com um trabalho incansável, um relatório final sólido e já com uma vitória concreta: foi graças a ela que o Brasil se livrou do contrato da Precisa e das negociatas da Davati com o governo.

O presidente da CPI da Covid, senador Omar Aziz, cumprimenta o relator Renan Calheiros após aprovação do relatório final da comissão. Foto: Dida Sampaio/Estadão

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Se entrou na pandemia com a tese da “gripezinha”, “resfriadozinho”, “histeria da mídia”, Bolsonaro chega ao fim da CPI como quem usou o cargo e os meios públicos para atacar a medicina e a ciência, promover aglomerações, remédios ineficazes para a covid e a tese da “imunidade de rebanho” que, no caso, significa: “Deixa morrer!”

Se fez o que jamais poderia, não fez o que tinha obrigação de fazer: liderar os brasileiros a usarem máscaras e álcool em gel, fazerem isolamento social e se vacinarem. Não. Foi o oposto: Bolsonaro desdenhou da Pfizer e da Janssen, atacou a Coronavac do Butantã e dedicou-se a fake news.

Dizer que vacina causa aids pode ter sido a mais grotesca, mas está longe de ser a única. Sua live foi desmentida pela Inglaterra e por todas as entidades científicas e médicas sérias, além de retirada do Facebook, do Instagram e do YouTube, que bloqueou a conta do presidente do Brasil por sete dias. Outro vexame no mundo.

Mais nada, porém, é inacreditável quando se trata de Jair Bolsonaro, que já retirou máscara de criança em público, promoveu aglomerações golpistas e sem máscara diante do Planalto e até do QG do Exército, atribuiu mentirosamente ao TCU um estudo negando o número de mortos, empurrou generais a se vacinarem escondidos, fingiu que não viu e não sabia da roubalheira na Saúde.

Por inspiração dele, bolsonaristas tumultuam voos sem máscara, açoitam e jogam carros contra cruzes pelos mortos e batem no peito para dizer que não tomam vacina e concordam com “e daí?”, “não sou coveiro”, “vamos parar de mimimi” e “este não é um país de maricas”.

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Integrantes. A CPI consolidou a imagem do seu presidente, Omar Aziz, jogou luzes sobre a garra do vice, Randolfe Rodrigues, e revelou uma bancada feminina indispensável, com Simone Tebet, Eliziane Gama, Soraya Thronicke, Leila do Vôlei e Zenaide Maia, colega médica de Otto Alencar, Humberto Costa e Rogério Carvalho. E lucrou muito com a experiência política do senador Tasso Jereissati e profissional dos delegados Alessandro Vieira e Fabiano Contarato.

Renan Calheiros, o relator, foi a escolha mais surpreendente e continua sendo a mais polêmica, mas sua capacidade política foi decisiva. Soube ouvir, avançar, recuar, buscar o consenso. E, fosse o relator João, Pedro ou Simone, o que realmente interessava era a investigação e o que realmente interessa é o resultado. Ambos impecáveis.

A CPI pede o indiciamento de 78 pessoas, entre filhos do presidente, ministros, ex-ministros, militares, líder do governo na Câmara, funcionários do Ministério da Saúde, reverendo e quadrilhas que vendiam vacinas inexistentes e o governador e o ex-secretário de Saúde do Amazonas, onde pessoas morreram sem oxigênio. Mas o grande réu é o presidente da República.

A bola está com a PGR, para os que têm foro privilegiado, como Bolsonaro, e a Câmara, para os crimes de responsabilidade. Cada um que olhe o relatório final, a Constituição, as leis e as próprias consciências. As famílias, amigos e amores dos 606 mil mortos estarão observando e aguardando, junto com toda a Nação brasileira. l