Acusado de receber R$ 12 mi de empresas, Palocci distribui 'carta a amigos'

Ex-ministro repete expediente de 2012 e distribui documento com explicações sobre consultorias aos grupos Pão de Açúcar, JBS e CAOA quando assumiu a campanha de Dilma em 2010

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Por Ricardo Galhardo e Daiene Cardoso
Atualização:

O ex-ministro da Casa Civil Antonio Palocci enviou uma carta por e-mail a amigos e correligionários na qual rebate reportagem publicada pela revista Época desta semana. Segundo a publicação, Palocci teria fechado contratos milionários para sua empresa de consultoria, a Projeto, com os grupos Pão de Açúcar, JBS e CAOA no período em que assumiu a coordenação da campanha pela eleição da presidente Dilma Rousseff, em 2010. Na carta Palocci classifica as operações como “legítimas relações comerciais” e acusa a revista de investir “de maneira sensacionalista e espetaculosa” contra sua honra.

No e-mail, Palocci tenta explicar pontualmente cada um dos contratos. O primeiro ponto diz respeito ao Pão de Açúcar. Segundo o ex-ministro, o contrato de acompanhamento técnico da aquisição das Casas Bahia foi investigado pelo Ministério Público Federal do Distrito Federal e arquivado pela Justiça Federal. O Grupo Pão de Açúcar informou nesta segunda-feira, 20, que vai investigar internamente o caso.

Antonio Palocci coordenou a campanha de Dilma Rousseff em 2010 Foto: Dida Sampaio/Estadão

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O segundo ponto diz respeito à JBS. De acordo com Palocci, a Projeto realizou “estudo de avaliação da oportunidade” para a compra da Pilgrim, maior empresa de carne processada dos EUA, “muito tempo antes” de o BNDES intervir no negócio fornecendo empréstimo bilionário à JBS. Conforme o ex-ministro, cinco das seis parcelas recebidas pela Projeto pelo serviço foram pagas antes da liberação do dinheiro pelo BNDES e o relatório elaborado por sua consultoria está anexado em processo que corre na Justiça Federal do DF.

Quanto à CAOA, Palocci afirma ter prestado “serviço técnico prestado de avaliar, esboçar plano de execução de associação com montadora de automóveis, estudar tendências do mercado mundial do setor, oportunidades e estratégias de novos negócios” em 2010, dez anos antes de o grupo conseguir no Congresso a prorrogação do direito ao regime tributário diferenciado.

Na carta, Palocci pede desculpas por não dar mais detalhes sobre os contratos alegando a existência de cláusulas de confidencialidade. Esta foi a mesma argumentação usada pelo ex-ministro em 2011, quando a revelação da movimentação financeira da Projeto levou à sua queda da chefia da Casa Civil.

Segundo fontes do Palácio do Planalto, as novas revelações feitas pela Época irritaram profundamente a presidente Dilma Rousseff justamente no momento em que Palocci volta a participar de atividades políticas em reuniões promovidas pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. De acordo com as fontes do Planalto, o e-mail enviado nesta segunda tem como endereço final o gabinete da presidente. 

Em 2012, Palocci usou o mesmo expediente de enviar uma "carta a amigos" - que acabou sendo distribuída também a deputados e senadores - explicando as denúncias de que teria aumentado em 20 vezes seu patrimônio entre 2006 e 2010.
Na ocasião, ele argumentou que ex-ministros "valem muito no mercado". O texto dizia que a passagem por cargos como ministro da Fazenda ou presidente do Banco Central proporciona "uma experiência única que dá enorme valor a esses profissionais no mercado"./ COLABOROU ANDREZA MATAIS

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Abaixo, a íntegra da carta enviada por Palocci.

"Caros amigos e amigas,

Mais uma vez peço um pouco de seu tempo.

Novamente um órgão de nossa imprensa investe de maneira sensacionalista e espetaculosa contra a minha honra. Desta feita uma reportagem de capa da revista EPOCA, da edição divulgada em 18/4, misturando assuntos, escondendo fatos conhecidos e manipulando datas, tenta desqualificar as legitimas relações comerciais de minha atividade de consultoria, através da empresa Projeto, com diversas empresas privadas.

Mas não quero recorrer à retórica. Gostaria de esclarecer os fatos narrados pela reportagem e, a bem da verdade, expor o que a revista se recusou a informar, confundindo deliberadamente seus leitores.

Nesse texto jornalístico, tentaram colocar sob suspeita a licitude dos contratos de prestação de serviços técnicos celebrados pela Projeto Ltda. com três grandes grupos empresariais privados nacionais, quais sejam PÃO DE AÇÚCAR, JBS e CAOA, todos firmados há vários anos.

Eis a verdade dos fatos:

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1-) GRUPO PÃO DE AÇÚCAR. 

Conforme documento, subscrito por seu então presidente, constante de antigo expediente do Ministério Público Federal, processado perante Vara Federal de Brasília, foram prestados serviços técnicos de acompanhamento da aquisição de Casas Bahia, pelo acima nominado conglomerado varejista, trabalho este executado em parceria com o Escritório de Advocacia Márcio Thomaz Bastos.

Essa contratação já foi objeto de investigação pelo MPF do Distrito Federal que, nada encontrando de irregular, requereu e obteve do Juiz Federal daquela Capital o ARQUIVAMENTO do feito. O estranho é que a revista Época, que diz ter tido acesso ao referido processo, sabia desse arquivamento e o ocultou de seus leitores.

2-) GRUPO JBS.

Os serviços de avaliação da conveniência, de planejamento e de execução da internacionalização do complexo empresarial JBS através da aquisição da maior produtora de proteína animal dos Estados Unidos, a PILGRIMS, foram prestados muito tempo antesde intervir no processo o BNDES. A Projeto não realizou a negociação da aquisição, feita por outras entidades do setor financeiro e jurídico. A Projeto realizou estudo de avaliação da oportunidade do negócio, que enfim foi realizado com sucesso.

O trabalho da Projeto não teve qualquer relação com o financiamento do BNDES. Tanto assim que 5 das 6 parcelas dos honorários devidas à Projeto foram pagos muito antes do financiamento. Especificando os trabalhos, há detalhado relatório técnico elaborado por Projeto Ltda., que também se encontra no expediente investigatório a que Época teve acesso e que tramita no Juízo Federal do DF muitos anos faz. Também neste aspecto a matéria preferiu ocultar de seus leitores esse relatório e insinuar, maldosamente, que os serviços podem não ter sido prestados.

3-) GRUPO CAOA.

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Tratou o serviço técnico prestado de avaliar, esboçar plano de execução de associação com montadora de automóveis, estudar tendências do mercado mundial do setor, oportunidades e estratégias de novos negócios, trabalho este que data de mais de quatro anos atrás. 

Se, depois de muitos anos (em 2014), algumas montadoras, inclusive a CAOA, vieram a obter prorrogação de regime tributário diferenciado por decisão do Congresso Nacional, tal circunstância não tem nenhuma relação com o contrato em causa, como insinuou a referida reportagem. Neste caso as distancias são mais gritantes, pois os honorários foram pagos em 2010 e os citados benefícios foram prorrogados 4 anos depois!

Peço desculpas se não me estendo aqui no detalhamento dos trabalhos prestados. Isso porque eles decorrem de contratos com clausulas de sigilo que me obrigo a respeitar. Mas nos autos do apuratório que Época afirma ter tido acesso há toda documentação comprobatória da perfeita regularidade das contratações em questão.

A reportagem informa também que as empresas negaram o trabalho da consultoria Projeto. Pelo que apuramos isso absolutamente não ocorreu. Na verdade as perguntas enviadas pelos jornalistas responsáveis pelo texto falavam sobre outros assuntos, notadamente sobre um suposto inquérito da conhecida operação Lava Jato, que nada tem a ver com os fatos narrados aqui ou mesmo na citada reportagem. Algumas empresas preferiram não comentar sobre seus contratos. Mas isso é diferente de nega-los.

É lamentável que se pratique tamanho acinte contra a verdade, sejam quais forem os propósitos que moveram os autores do referido texto ou os que o encomendaram aos seus subscritores.

Agradeço muito a sua atenção.

Antonio Palocci Filho."

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