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Acusado de matar missionário espanhol é absolvido

Jurados entenderam que não havia provas para condenar José Vicente da Silva

Por Agencia Estado
Atualização:

Após três dias de julgamento, o júri da Justiça Federal de Mato Grosso absolveu, por cinco votos a dois, o administrador de fazendas José Vicente da Silva, de 53 anos, apontado como um dos executores do assassinato do missionário jesuíta Vicente Cañas, crime ocorrido em abril de 1987, dentro de uma área indígena ao norte de Mato Grosso. Cañas tinha atuação destacada em defesa dos índios Enawenê-Nawê - povo que fez o primeiro contato com brancos em 1974 - e no processo de reconhecimento e demarcação do território tradicional da etnia. O trabalho enfrentava oposição dos fazendeiros da região de Juína (município a 737 km de Cuiabá). Ao juiz Jeferson Schneider, da 2ª Vara da Justiça Federal, o réu - acusado por homicídio duplamente qualificado - disse ignorar a possível articulação de fazendeiros que teria levado ao assassinato do religioso às margens do Rio Juruena. A exemplo do julgamento do delegado aposentado da Polícia Civil Ronaldo Antonio Osmar, acusado de mandar matar o missionário espanhol, o Ministério Público Federal (MPF) sustentou a acusação contra José Vicente com base em depoimentos de três índios rikbatsas - Paulo Tompeba, Aldalberto Pito e Gelson Rikbatsa - que afirmaram ter ouvido de outras pessoas que o mandante do crime foi o ex-delegado e que Vicente teria sido contratado. Na mesma linha utilizada pela defesa do ex-delegado, os advogados de Vicente, Welinton José Serpa e Osvaldo Lopes, argumentaram que os laudos de necropsia apontaram que a morte de Cañas foi por "causa indeterminada" - isto é, não estaria confirmado o assassinato. O corpo do missionário foi encontrado dentro da reserva Salumã, 40 dias após a morte, em decomposição, em Juína. Única testemunha arrolada pela defesa de Vicente, o médico legista Joaquim Delfino Neto disse que integrou uma equipe, convocada pelo então delegado, para realizar uma das perícias no cadáver exumado de Cañas. O médico reforçou a tese de que as lesões - especialmente no abdômen - eram decorrentes da mumificação do corpo e, portanto, não houve assassinato. "Como podemos condenar alguém por homicídio, se não existem provas concretas contra o réu?", perguntou o advogado Osvaldo Lopes na parte final do julgamento, encerrado à 00h30. Pauladas e facadas Segundo o Ministério Público, Cañas morreu a pauladas e a golpes de facas desferidos por dois homens que teriam sido contratados por Ronaldo Osmar, na época lotado em Juína. No final de outubro, os jurados o inocentaram, apesar de entenderem que Cañas foi assassinado. "Ao apreciar os quesitos, (o júri) concluiu, por seis votos a um, que Vicente Cañas foi morto a pauladas e com arma branca e, também por seis a um, que as lesões causaram a morte dele. Entretanto, o mesmo conselho, por cinco a dois, conclui que o acusado José Vicente da Silva não concorreu para a prática deste crime", disse o juiz federal Jeferson Schneider sobre a decisão dos jurados. Convicto da participação de Vicente no crime, o procurador da República em Mato Grosso, Mário Lúcio Avelar, afirmou que recorrerá ao Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região. Segundo ele, Vicente da Silva já foi processado por homicídio. Tanto o juiz Jeferson Schneider quanto o procurador Mario Lúcio Avelar lamentaram a demora para realização do júri - 19 anos após a morte de Vicente Cañas. "Demonstra a ineficiência de órgãos do Poder Judiciário", constatou Avelar. "Fica uma sensação de impunidade", completou Schneider. O MPF também recorreu da decisão favorável ao ex-delegado. Na avaliação do juiz, a possibilidade de o TRF suspender a decisão do conselho de sentença, anulando os julgamentos, é remota. O crime prescreve em maio de 2007. Os outros acusados pelo crime não podem mais ir ao tribunal. As ações penais contra o agricultor Martinez Abadio da Silva e o fazendeiro Antonio Mascarenhas Junqueira foram extintas porque ambos têm mais de 70 anos. Os fazendeiros Pedro Chiquetti e Camilo Carlos Obici já morreram.

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