Ação contra militares acusados por tortura cita Dilma entre as vítimas

Trabalho do MPF se baseou em depoimentos dados a tribunais militares por vítimas da Oban

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Por Fausto Macedo
Atualização:

SÃO PAULO - O Ministério Público Federal em São Paulo ajuizou ação civil pública visando a declaração da responsabilidade civil de quatro militares reformados - três deles integrantes das Forças Armadas e um da Polícia Militar de São Paulo - sobre mortes ou desaparecimentos forçados de pelo menos seis pessoas, além de tortura contra outras 19 pessoas, todas detidas pela Operação Bandeirante (Oban), nos anos 70, auge da repressão militar. A Procuradoria da República cita na peça inicial a presidente eleita Dilma Rousseff (PT), presa e torturada em 1970. A Oban foi criada e coordenada pelo Comando do II Exército em 1969 e 1970.

 

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Às páginas 30 e 31 da ação, a procuradoria dedica um capítulo à Dilma. "Seu relato foi registrado pela Arquidiocese de São Paulo no Projeto Brasil Nunca Mais, a partir do depoimento prestado à Auditoria Militar em 1970 (processo nº 366/70 Documento 30-35: (...) que, pelos nomes conhece apenas a testemunha Maurício Lopes Lima, sendo que não pode considerar a testemunha Maurício Lopes Lima como tal; visto que ele foi um dos torturadores da OB; que, com referência as outras testemunhas nada tem a alegar; que tem, ainda, a acrescentar que na semana passada, dois elementos da equipe chefiada pelo Cap. Maurício compareceram ao presídio Tiradentes e ameaçaram a interroganda de novas sevícias, ocasião em que perguntou-lhes se estavam autorizados pelo Poder Judiciário e recebeu como resposta o seguinte: 'você vai ver o que é o Juiz lá na OB'; (...) que ainda reafirma que mesmo no DOPS foi seviciada ...)."

 

A ação pede que os réus sejam condenados a pagar indenização à sociedade, tenham as aposentadorias cassadas e ajudem a cobrir os gastos da União com indenizações para as vítimas. São acusados na ação os militares reformados das Forças Armadas Homero Cesar Machado, Innocencio Fabricio de Mattos Beltrão e Maurício Lopes Lima e o capitão reformado da PM de São Paulo, João Thomaz.

 

Subscrevem a ação o procurador regional da República Marlon Alberto Weichert e os procuradores da República Eugênia Augusta Gonzaga, Jefferson Aparecido Dias, Luiz Costa, Adriana da Silva Fernandes e Sergio Gardenghi Suiama.

 

Ditadura militar

 

A Oban visava agrupar num único destacamento o trabalho de repressão política estadual e federal, até então disperso entre as Forças Armadas e as polícias civis, militares e federal.

 

Criado em São Paulo após a edição do Ato Institucional 5/68 (AI-5) e sob o comando do Exército este projeto ficou conhecido pelo uso da tortura como meio rotineiro de investigação e de punição de dissidentes políticos.

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Com base na experiência da Oban, as Forças Armadas criaram os DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informação dos Centros de Operações de Defesa Interna) em todo o País, unidades que a partir de 1970 centralizaram a repressão.

 

A ação narra 15 episódios de violência estatal que vitimaram fatalmente pelo menos seis militantes políticos, entre eles Virgílio Gomes da Silva, o Jonas, apontado como líder do sequestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick.

 

Testemunhos

 

O trabalho do Ministério Público Federal se baseou em depoimentos dados a tribunais militares por diversas vítimas da Oban e compilados no Projeto Brasil Nunca Mais, além de informações mantidas em arquivos públicos e testemunhos de algumas vítimas.

 

Além da presidente eleita é citado o caso de Frei Tito, que se suicidaria quatro anos depois por sequelas da tortura. Dos episódios narrados na ação, destaca-se a violência sofrida pela família de Virgílio Gomes da Silva.

 

Sua mulher Ilda, seu irmão Francisco e três dos quatro filhos do casal foram presos pela Oban. Ilda não só foi torturada como obrigada a assistir a aplicação de choques elétricos em sua filha Isabel, então com quatro meses de idade, segundo a ação da Procuradoria da República.

 

O Ministério Público Federal esclarece na ação que a lei de Anistia e o julgamento da ação 153 pelo Supremo Tribunal Federal, que reafirmou a validade da lei, não inviabilizam medidas de responsabilização civil como as propostas na nova ação. Primeiro, porque a lei de Anistia não faz menção a obrigações cíveis decorrentes de atos ilícitos anistiados pela lei.

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No julgamento, os ministros do STF Carmen Lúcia, Eros Grau, Cezar Peluso, Celso de Mello, além de Carlos Ayres Britto e Ricardo Lewandowski - que julgaram procedente a ação 153 - destacaram a importância de se buscar medidas visando a reparação, o esclarecimento da verdade e outras providências relacionadas ao que se passou no período abrangido pela lei, ainda que a punição criminal esteja vedada.

 

Os procuradores lembram, ainda, que o caso está sujeito às obrigações internacionais assumidas pelo Estado brasileiro de apuração de graves violações aos direitos humanos. Os episódios de tortura e morte narrados, assinalam os autores da ação, configuram crimes contra a humanidade, considerados imprescritíveis, tanto no campo cível, como no penal.

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