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''Abin precisa fazer inteligência externa''

Entrevista - Marco Cepik: cientista político; prioridade para ações ligadas à situação interna do País constitui desvio na finalidade da própria agência, avalia professor

Por Wilson Tosta
Atualização:

Estudioso dos serviços de inteligência, o cientista político Marco Cepik vê na prioridade da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para operações internas e no "desenho institucional" da área - com superposição de competência com a Polícia Federal e polícias locais - fontes de crises para o setor. "Acaba muita gente batendo cabeça", diz ele, autor do livro Espionagem e Democracia. "Ficamos sem ninguém que faça inteligência externa." Para ele, o País precisa, nos próximos dez anos, melhorar "brutalmente" sua capacidade de análise de fatos da área internacional - sem espionar, diz, mas aumentando sua capacidade de processar informações geradas atualmente por muitas fontes abertas. "O foco em operações de inteligência e na situação interna do País é desvio de função em relação ao que a Abin deveria estar fazendo", afirma, Cepik, nesta entrevista ao Estado. O Brasil realmente precisa de um serviço de inteligência? Sem dúvida, precisa sim. Em primeiro lugar, para ajudar no processo decisório de política externa e de política de defesa, mas também para apoiar o trabalho policial no provimento de ordem pública e Justiça. Qualquer país do mundo precisa de serviço de inteligência. A questão é que tipo de serviço de inteligência e para fazer o quê. No caso do Brasil, qual seria? A gente precisa de uma Abin que se preocupe em fazer inteligência externa e de um Sisbin (Sistema Brasileiro de Inteligência) que melhore brutalmente, num prazo de dez anos, a capacidade de análise do Estado brasileiro. O foco em operações de inteligência e na situação interna do País é desvio de função em relação ao que a Abin deveria estar fazendo, já há vários anos. Isso explicaria as crises recorrentes dos serviços de inteligência no Brasil? Sim, naquela parte da crise que está associada ao debate sobre os órgãos de inteligência públicos. Porque tem uma dimensão do problema que é o que fazer para controlar a indústria de arapongagem privada. No âmbito federal e dos Estados, existe um problema de divisão de trabalho entre Abin, PF e as polícias estaduais. Daí ninguém faz inteligência externa. Mesmo sem recorrer à espionagem, a Abin precisa fazer inteligência externa, processar e analisar o contexto internacional, as ameaças e os riscos para a segurança do Brasil. O que a gente precisa é que alguém no Estado brasileiro se especialize em processar, analisar adequadamente esse grande volume de informações que estão disponíveis para o público, internacionalmente, mas que nós não temos hoje capacidade de analisar, porque o foco todo é em operações e no que se passa dentro do Brasil. Isso tudo denota um problema estrutural, que é a necessidade de dividir melhor as tarefas dentro do Sistema Brasileiro de Inteligência. Porque se todo mundo tenta fazer inteligência interna no País sobre eventuais vulnerabilidades à ordem pública e à segurança do Estado, acaba muita gente batendo cabeça. O problema então é de desenho institucional do sistema? Tem um problema de desenho institucional, tem um problema da profissionalização, de definição de carreiras , atribuições e missões, ligado ao problema institucional, e tem o problema ainda doutrinário. Agora, o que é importante destacar é que esse negócio da interceptação telefônica no Brasil tem eventualmente uma questão legal, institucional, mas é sobretudo, hoje, um problema do que fazer com os privados, não é? É menos um problema de arapongagem pública e mais um problema de arapongagem privada. Aí sim tem uma indústria de grampos, dossiês. É muito pouco provável que esse troço tenha sido feito pela Abin, por exemplo, caso o grampo no STF e no Senado tenha mesmo existido, o que me parece bastante inverossímil depois dos pareceres técnicos da Polícia do Senado. O senhor apostaria mais em uma ação privada? Seria especulação, mas é possível. Os atuais mecanismos de controle da Abin são suficientes? Não, não são. São muito fracos e não estimulam a explicitação de prioridades, missões, políticas e necessidades de recursos. Esse é o problema. Tem um controle externo muito baixo, e isso é responsabilidade dos parlamentares e do Judiciário. A gente só não está numa situação pior hoje porque tem o TCU, a CGU e uma posição mais proativa dos ministros Tarso Genro, Nelson Jobim e Jorge Félix. O Congresso precisa fortalecer a comissão (de Controle sobre Atividades de Inteligência - CCAI). Os parlamentares não fizeram controle externo dessas coisas porque não se interessaram por fazer. A verdade é essa. Então tem uma grita muito grande contra o "imperialismo" do Executivo, mas o Legislativo tem sido omisso no esforço de aperfeiçoamento de uma política de inteligência no Brasil. Quem é: Marco Cepik É professor e pesquisador da UFRGS e doutor em Ciência Política pelo Iuperj Pós-doutorado pela Oxford University, do Reino Unido Tem mestrado em Ciência Política e graduação em História pela UFMG

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