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Abaixo a ditadura

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Por Dora Kramer
Atualização:

Candidato a presidente do PT "ensanduichado" entre a corrente do presidente Luiz Inácio da Silva e o grupo da ministra Marta Suplicy, o deputado José Eduardo Cardozo não é santo da devoção dos atuais comandantes do partido. Respeitado na Câmara, dos poucos deputados eleitos pelo "voto de opinião" a conseguir renovar o mandato, Cardozo já freqüentou a lista de candidatos a líder do governo, a presidente da Casa, a ministro desta ou daquela pasta, mas foi sempre preterido. Mais por suas qualidades que por seus defeitos, note-se. Os dirigentes que, capitaneados por José Dirceu, dominam há anos o partido, não gostam dele. E, digamos, sem que seja preciso o deputado explicitar com todas as letras, a recíproca é verdadeira. Por isso, por causa do lançamento da chapa liderada por Ricardo Berzoini e integrada por mensaleiros a mancheias, a ala cujos mais notórios militantes são os ministros Tarso Genro e Eduardo Haddad e a mais vistosa simpatizante é a ministra Dilma Rousseff, resolveu lançar José Eduardo Cardozo para presidente. Ele larga na disputa longe do favoritismo, hoje pertencente a Ricardo Berzoini, mas por falta de padrinhos não morrerá pagão. Acredita que ao segundo turno pelo menos deve ir. Para chegar lá escolheu um roteiro de temas que em plena crise o mensalão não discutiu abertamente. E por várias razões: sobrevivência política, lealdade ao partido e perfeita noção de que o eixo do PT ainda é o apoio ao governo de Lula. Esse apoio, aliás, é cláusula pétrea da plataforma de campanha que pretende apresentar nos próximos dias a Lula. Vai pedir uma audiência para dizer, entre outras coisas, o seguinte: o governo precisa de um partido forte e, do jeito que vai, se não retomar a bandeira da ética, senão reinstituir a democracia interna, se não arejar o funcionamento da burocracia, se não abandonar a lógica do aparelho em que os chefes mandam e a maioria obedece cegamente, adeus PT. "O partido precisa recuperar substância ideológica, dar prioridade a relações políticas com forças tradicionalmente aliadas, de centro-esquerda, tem de enfrentar a questão da ética como parâmetro inegociável, precisa abrir espaço para o debate interno. Sem isso, o partido se enfraquece e o militante se afasta, porque as pessoas querem se sentir sujeitos de uma ação política e não objetos da vontade de um grupo dominante", diz José Eduardo Cardozo. Se a opção do partido tivesse sido o lançamento de uma candidatura "supratendências", na visão de Cardozo não haveria tantos postulantes ao comando (sete, com ele) e a pacificação ocorreria de maneira natural. Mas, não obstante seu evidente descontentamento com o rumo assumido pelo partido há alguns anos - que deu certo ao levar a classe operária (metaforicamente falando) ao paraíso da Presidência da República, mas deu errado quando jogou o PT no inferno dos escândalos de corrupção -, o deputado não nomina culpados nem reivindica punições a este ou aquele. "Sou candidato a presidente de partido, não a juiz de tribunal." Sim, mas, então como se faz a retomada da ética como fator essencial de conduta? "Estabelecendo um código e levando a sério a sua execução para todos, governantes, parlamentares e militantes. Agora, daqui para a frente, como um conceito geral, porque se individualizarmos a questão o assunto vira motivo de disputa e não pode. A ética é preliminar para ser adotada com naturalidade." O outro ponto é a recuperação da capacidade de afirmar idéias. "Sem perder o norte do apoio ao governo, precisamos debater temas como o papel do Estado, autonomia do Banco Central, política econômica, reforma política." Mediante uma Constituinte exclusiva? "Certamente, porque o Congresso ordinário não mudará as regras que lhe garantem a sobrevivência. Agora, é preciso deixar de lado todo e qualquer casuísmo, incluindo aí a possibilidade de um terceiro mandato para o Lula. Aliás, é primordial estabelecer claramente quais serão os objetos dessa Constituinte, com temas predeterminados e deixando de fora benefícios aos seus participantes e atuais governantes." Mas a democracia interna é realmente o ponto sobre o qual José Eduardo Cardozo discorre com mais veemência na crítica aos métodos em vigor: "Um grupo dirigente controla o partido e fecha todos os espaços à participação de quem pensa diferente. Só a cúpula vale, só o que ela decide com antecedência pode ser aprovado nos encontros. Essa prática da imposição precisa ser extinta." Candidatura de 2010? "É justo que tenhamos candidato, mas não podemos discutir isso de forma prepotente nem agora, é cedo e desrespeitoso com os aliados." Sim, mas quem "puxa" o debate eleitoral é Lula, pois não? Riso amarelo com jeito de "vamos pular essa parte". E sobre o apoio do presidente na disputa interna à eleição de dezembro? "Penso que Lula não terá atuação direta nem discordará do projeto de recuperação da identidade do PT. É bom para ele."

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