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A sabatina de ‘louvor’ a Kassio Marques e o caminho aberto no STF

Sessão é marcada por elogios ao desembargador, aprovado na CCJ do Senado por 22 votos a 5 a uma vaga na Corte

Foto do author André Borges
Foto do author Daniel  Weterman
Por André Borges , Daniel Weterman e
Atualização:

BRASÍLIA – Era para ser uma sessão de questionamentos, uma prova de fogo sobre o conhecimento jurídico, profissional e acadêmico. Era para ser uma oportunidade de se esclarecer polêmicas, a reputação ilibada. Era para ser, afinal, uma sabatina. Mas o que se viu em boa parte das mais de dez horas de audiência entre os senadores e Kassio Nunes Marques foi um longo desfile de elogios, uma sessão pública regada a doses infindáveis de adjetivos para forrar o caminho do indicado de Jair Bolsonaro a mais nova vaga do Supremo Tribunal Federal (STF). Kassio Marques teve seu nome aprovado por 22 votos a favor e cinco contra na CCJ. Logo em seguida, foi confirmado ministro do STF pelo plenário do Senado, com 57 votos favoráveis, 10 contrários e uma abstenção.

Longe da missão constitucional de interpelar o indicado a um cargo vitalício na suprema corte, onde Kassio Marques poderá definir temas cruciais do País até o ano de 2047, boa parte dos senadores se empenhou, na prática, a se concentrar naquilo que é bem conhecido como “rasgação de seda”. E haja seda.

Desembargador Kassio Marques faz sinal da cruz na chegada à CCJ Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

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Antônio Anastasia (PSD-MG) ainda tratou de fazer um preâmbulo. “Me espantaram muito, durante esse processo de indicação do eminente desembargador, com algumas dúvidas lançadas (...) sobre a questão do notável conhecimento jurídico e da reputação ilibada”, ponderou o senador mineiro, para emendar logo em seguida. “Não posso deixar de elogiar a escolha que o presidente fez do desembargador. É homem preparado, culto, dedicado, tem todas as condições de exercer não só o cargo que já exerce, de magistrado, mas também ocupar a vaga no STF”.

Do alto de suas oito legislaturas sobre o tapete azul do Senado Federal, Renan Calheiros (MDB-AL) abriu sua mala de elogios, para dar o tom que marcaria boa parte das “intervenções” feitas pelos parlamentares. “É uma grande e oportuna indicação que, com certeza, elevará a nossa corte superior”, sacramentou Renan, ao destacar a “exposição inicial irretocável” feita por Kassio Marques, dono de “espetacular cultura geral e formação jurídica inquestionável”.

Renan não deixaria de mencionar, contudo, suas inquietações com temas delicados sobre os quais o novo ministro da suprema corte deverá se debruçar de agora em diante, como a Operação Lava Jato, a investigação da Polícia Federal que, segundo Renan, teve seus acertos, mas também cometeu “excessos” e fez “tudo que a Constituição não permitia que se fizesse”.

Entre uma e outra tentativa de questionar Kassio Marques sobre temas mais espinhosos – como as “inconsistências” incluídas pelo desembargador em seu currículo acadêmico – houve aqueles que pontuassem, em dado momento, que não tinham mais nenhum questionamento a fazer ao novo membro da mais alta corte do País.

“Não quero fazer perguntas. Aqui, já foram feitas até demais”, disse Weverton Rocha (PDT-MA). Opositor de Bolsonaro, Rocha aproveitou seus minutos de fala para celebrar que um “filho humilde e pobre lá do interior do Piauí pode, sim, sonhar e chegar ao STF”. No lugar de questionamentos, o que fez foi dar um conselho ao novo ministro: “Mantenha a sua cabeça erguida.”

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A presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), Simone Tebet (MDB-MS), tentou restaurar, durante a sessão, a ideia de que a sabatina do Senado cumpria, efetivamente, seu dever constitucional: “Não há nada de protocolar no nosso rito”, disse a senadora, para dar andamento à sessão.

Com o jogo jogado, até mesmo senadores da oposição trataram de evitar cotoveladas e se aninharam com a celebração. Houve quem tirasse o chapéu para as respostas dadas por Kassio Marques, antes mesmo de ter formulado suas próprias perguntas. “Quero agradecer e parabenizar vossa excelência pelo currículo, pela forma como respeitosamente atendeu e respondeu a todos os que participaram da sabatina”, disse Rogério Carvalho (PT-SE), sem ainda ter indagado o desembargado e quando a sabatina ainda chegava à sua metade.

O clima de “já está tudo definido e isso aqui é só proforma” acabou por confundir Fabiano Contarato (Rede-ES). Crítico contundente das políticas ambientais do governo Bolsonaro, o senador chegou a pontuar algumas perguntas a Kassio, mas já o tratava com “minist...”, quando então se corrigiu rapidamente e repassou a palavra ao “desembargador”.

Em diversos momentos, os senadores se alternaram para “louvar” a história de vida de Kassio, mencionando a sua saga de vida de pegada lulista, com recorrentes citações ao menino pobre que saiu do interior do Nordeste para hoje ocupar uma das 11 cadeiras do Supremo Tribunal Federal. O próprio Kassio, emocionado, agradeceu à família no Piauí, destacou seu envolvimento com a religião, citou trechos da Bíblia e relembrou fases cinematográficas, quando tinha um carrinho de cachorro-quente e uma infância simples.

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Líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) não deixou por menos. Lembrou que, nas cadeiras amarelas do Supremo, “não há nenhum representante da região Nordeste” entre os 11 magistrados. “Em um País tão desequilibrado, em um País tão diverso do ponto de vista de sua cultura, é com alegria que eu vejo o Estado do Piauí representar todo o Nordeste brasileiro na mais alta corte de Justiça do País”.

Amigo de Kassio Marques e um dos líderes do Centrão, o senador Ciro Nogueira (Progressistas-PI), que tanto revoltou a ala bolsonarista mais radical ao referendar seu apoio ao indicado de Bolsonaro, sublinhou a biografia do desembargador. 

“A sua indicação, para o nosso Estado, vem num momento muito importante. É de orgulho que nos enche hoje, e não só o Piauí, mas o Nordeste como um todo”, disse Ciro Nogueira. O senador, ao olhar para o “futuro”, cravou ainda que Kassio, “em pouco tempo, vai chegar à presidência desse tribunal” e que “isso vai nos acalantar em nosso coração”.

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O novo ministro não chegou a enrubescer, mas se disse emocionado com a elegia do conterrâneo. “Queria agradecer as palavras do senador, que me emocionaram. Já ouvi falar de outras pessoas o simbolismo que esse ato significou”, respondeu.

As mesmas citações foram sublinhadas pelos senadores Angelo Coronel (PSD-BA) e Nelsinho Trad (MDB-MS), que fizeram questão de lembrar que Kassio era praticamente uma unanimidade, tendo sido indicado, inclusive, pela ex-presidente Dilma Rousseff para o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em 2011. 

Se não houve provocações a Kassio, houve espaço para a poesia, o lirismo. Eduardo Gomes (MDB-TO) foi buscar inspirações em Caetano Veloso, para citar trechos da canção “Cajuína”. “Existirmos, a que será que se destina?”, questionou o senador, para responder de pronto: “Seu destino é ser ministro do Supremo Tribunal Federal.”

Em total anticlímax com os colegas, o senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO) ainda chegou a pontuar que “a sabatina fica patética pelo festival de sabujices”. Ficou isolado. 

Ao fim da sessão, a senadora Simone Tebet celebrou a sabatina, o rigor dos questionamentos feitos pelos senadores e disse que não houve nenhuma questão complexa que tenha ficado sem resposta. 

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