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A República se esqueceu de lembrar a vitória em Monte Castelo

Exército comemora os 75 anos da batalha na Itália diante do silêncio do mundo civil

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Por Marcelo Godoy
Atualização:

Caro leitor, 

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Pouco depois de assumir a Presidência da República, Jair Bolsonaro instou as Forças Armadas a lembrar o 31 de Março, e os comandos das três Forças publicaram uma nota conjunta. Para um presidente que divide o Brasil entre vermelhos e azuis, a escolha parecia apropriada, ainda mais quando se nega o fato de o País ter vivido sob o governo de uma ditadura que torturou e matou e tentou impor sua utopia autoritária à Nação.

A lógica que caracteriza esse pensamento é quase religiosa. Nesta, o pensador Émile Durkheim notou um gosto natural tanto pelas confusões intemperantes quanto pelos contrastes de opostos. Ela tende a ser excessiva nos dois sentidos. "Quando aproxima confunde; quando distingue , opõe. Não conhece a medida e as nuanças, busca os extremos. Emprega os mecanismos lógicos com imperícia sem ignorar nenhum deles."  A lógica das confusões e contrastes pode desconcertar, mas não deve ser depreciada.  

Os presidentes anteriores a Bolsonaro impuseram o esquecimento institucional à data, sepultada pela redemocratização do País. O diabo é que onde podia haver virtude, criou-se uma falha. Retiraram-se data, símbolo e ritos e nada se pôs no lugar. Em As Formas Elementares da Vida Religiosa, o Durkheim afirma que “na base de todo sistema de crenças e de todos os cultos deve, necessariamente, haver certo número de representações fundamentais e atitudes rituais”.

Ao se livrar da obrigação de comemorar o 31 de março, o Exército instituiu nova data entre os rituais da caserna: a comemoração da Batalha de Guararapes, em 1648, como símbolo da criação da Força. Desfeita a União Soviética, o discurso anticomunista como forma de coesão e identidade se enfraquecia. E a República, o que fez? Procurou um feito das armas para opor ao 31 de Março como símbolo da democracia e da liberdade? Nenhum dos ocupantes recentes do Planalto o fez. Datas, símbolos e rituais não são frivolidades. Durkheim defende a existência de uma dimensão simbólica que penetra a vida social.

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Datas preservam a memória. O historiador Jaques Le Goff escreveu em Memória e História que se tornar senhor da memória e do esquecimento é “uma das grandes preocupações das classes, dos grupos , dos indivíduos que dominaram e dominam as sociedades históricas”. Le Goff pensava que a memória coletiva devia servir à libertação e não à servidão dos homens. A disputa aqui envolve a oposição entre o consenso social e a coesão de grupos. Mas o que a Nova República podia fazer?

Se qualquer dos presidentes anteriores tivesse se demorado no grande salão da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme), no qual são retratados os patronos da Força, podia ter perguntado quem é o único chefe militar a ter a honra de ter o retrato ali nas paredes sem nunca ter comandado a escola. Ia saber então que se trata do marechal Mascarenhas de Moraes, que comandara a Força Expedicionária Brasileira (FEB).

O retrato do militar talvez lhe mostrasse a importância de se tirar uma data do esquecimento que lhe dedica o mundo civil: o 21 de fevereiro. O Exército lembra todo ano que, nesse dia, há 75 anos os homens de três batalhões do 1º Regimento de Infantaria da FEB conquistaram Monte Castelo, símbolo da campanha dos pracinhas na Itália. Eis um feito das armas que representa a democracia e a liberdade.

Por meio de sua lembrança, nossos presidentes reafirmariam as razões pelas quais sangue brasileiro foi deixado na Europa. Talvez esse resgate não tivesse impedido a negação da ditadura, o elogio a torturadores ou a ameaça de um novo um AI-5. Mas teria ajudado a consolidar a crença nos valores fundamentais da República.

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