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‘A realidade política começa a ser pacificada’

Ministro da Justiça vê governo em recuperação e fim do ciclo no qualplano político determina a crise econômica

Por Marcelo de Moraes
Atualização:

BRASÍLIA - Um dos principais conselheiros políticos da presidente Dilma Rousseff, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, acredita que o governo terá, a partir de agora, condições para deixar para trás a pesada crise que enfrentou durante todo o ano passado. Cardozo reconhece que a votação do Supremo Tribunal Federal, estabelecendo ritos para o processo do impeachment, abriu espaço para que o governo possa se recuperar politicamente. Na sua visão, está cada vez mais claro para a opinião pública que o impedimento foi motivado apenas por um desejo de vingança do presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Ministro José Eduardo Cardozo na sede da Presidência da República, em São Paulo Foto: FELIPE RAU | ESTADÃO CONTEÚDO

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Depois da votação do STF, que estabeleceu um rito para a discussão do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, o clima melhorou para o governo ou a crise ainda continua por perto?

Acho que as condições para um processo de saída da crise agora estão dadas. É evidente que, muitas vezes, tanto no plano econômico, quanto no político, é impossível você controlar todas as variáveis. Mas acho que o ciclo da situação política determinando a crise econômica está claramente se interrompendo. A realidade política começa a ser pacificada. Começa, cada vez mais, a se caracterizar a rejeição a um impeachment. Ou seja, fica cada vez mais claro que o impeachment não é solução. A própria oposição hoje se encontra numa situação difícil por insistir num processo de impeachment, que tem pecado original mortal, que é ter sido desencadeado como uma retaliação, a partir de um presidente da Câmara dos Deputados que está sendo investigado (o deputado Eduardo Cunha) e contra o qual paira um pedido de afastamento. Ou seja, a oposição unificadamente começou a defender o impeachment num momento em que acho que pode ser perverso para ela. Porque é um impeachment sem fato, motivado por retaliação e que se mostra cada vez mais como insubsistente. Quem defender o quanto pior melhor se colocará muito mal diante dos olhos da sociedade.

Começou o recesso parlamentar, mas em fevereiro já está marcado o início da análise da situação do deputado Eduardo Cunha pelo Supremo. Existe também um claro mal-estar na relação do governo com o PMDB. Não há o risco iminente de voltar todo o clima de beligerância e contaminar outra vez todo o processo?

Não tenho dúvida que fevereiro pode ser um mês que envolverá tensões próprias do mundo das disputas parlamentares, onde se coloca a questão do próprio Eduardo Cunha. Mas, em relação ao impeachment, não vejo o que se pode fazer com um processo claramente frágil naquilo que se alega e motivado por uma vingança. E sob os quais o próprio Supremo já anulou atos. Porque foram praticados dentro dessa perspectiva de vingança. Houve um magistrado que usou uma frase muito feliz, o ministro Luís Roberto Barroso, quando disse que não se pode começar um jogo e mudar a regra durante o jogo para levar a bola para casa. Por que isso aconteceu na Câmara? Porque o presidente da Câmara queria o avanço do processo de impeachment a qualquer preço. Queria quando desencadeou o processo e queria quando mudou as regras do jogo para criar condições que pudessem favorecer o impeachment. Isso hoje tem grande visibilidade social. Você ignorar isso e defender o impeachment promovido por Eduardo Cunha é algo que, acredito, vai incomodar a oposição. Não é à toa que o próprio presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves (MG), deu declarações duras em relação ao presidente da Câmara, buscando se afastar dele.

Existe uma outra contestação ao governo com a ação apresentada no Tribunal Superior Eleitoral pedindo a cassação da chapa Dilma e Temer por supostos crimes eleitorais. Essa contestação jurídica exclui Eduardo Cunha e a eventual contaminação política negativa que ele pode dar ao processo...

Essa ação vem sendo repetitiva. Desde o momento do anúncio do resultado das eleições, a oposição tenta utilizar o TSE como um palco de construção de uma deslegitimização indevida da vitória da presidente Dilma. Pediram auditoria nas máquinas porque diziam que não tinham sido captados bem os votos dos brasileiros. Mostrou-se que isso não é verdade. Fizeram uma série de acusações que não prosperaram. Como não conseguem hoje apresentar uma proposta para o País ou debater no plano programático, enveredaram pelo discurso do impeachment como a única fala deles. Acho isso um erro brutal da oposição.

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O ano de 2015 foi extremamente conturbado para o Brasil. Houve o impacto de todas as ações da Lava Jato. Na economia, foi um ano de imensa retração. Acaba de ser trocado o ministro da Fazenda e o mercado e investidores já reagiram mal às primeiras declarações de Nelson Barbosa, com dólar disparando e bolsa caindo. Na política, a crise com Eduardo Cunha e com a base aliada se arrastou por todo o ano. Que 2016 se desenha com toda essa bagagem pesada de 2015?

Eu vejo um 2016 melhor. E acho que não tenho aqui um falso otimismo. Acho que as especulações que colocaram diante da nomeação do ministro Nelson Barbosa são absolutamente infundadas. Tem muito de especulação e de desconhecimento. O ministro é uma pessoa equilibrada, madura, que saberá desenvolver a política correta que hoje o País precisa. Não é um irresponsável. Haverá quem invista no quanto pior, melhor. Mas a sociedade vai perceber isso. A sociedade brasileira quer que o País saia da crise.

Mas 2016 é também um ano eleitoral. Não acha que o clima de Fla-Flu, que certamente virá com as campanhas, poderá azedar de vez o ambiente político?

Eu prefiro uma polarização voltada para a disputa das urnas do que uma que passe em torno de um processo de impeachment que não tem fundamento. Que se canalize a disputa nas urnas. Que se utilizem os palanques eleitorais para fazer a disputa legítima e democrática. Prefiro um processo desses que canalize as energias do que um processo desse largamente revanchista de não absorção do resultado da eleição.

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Acredita que o PT pagará uma conta pesada nessa eleição pelo desgaste político da legenda e do próprio governo?

É evidente que o PT sofrerá críticas e será acusado por um eventual erro que alguns dos seus dirigentes e militantes fizeram. Agora, o PT é um partido forte. Um partido que tem um histórico que, obviamente, lhe permite ter um discurso afirmativo nessa eleição. As eleições são boas porque dão espaço a todos. E acho que o PT terá um espaço do qual poderá se aproveitar muito bem para mostrar que a generalização que se faz hoje ao partido é injusta e indevida. E também para dizer que eventuais dirigentes e militantes petistas que erraram devem pagar pelo erro.

Como petista, o que acha que deve ser a principal bandeira do partido na campanha?

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Não sou dirigente partidário. Mas acho que o PT tem que mostrar para a sociedade que se houve combate à corrupção foi porque durante os governos do partido foram criadas muitas das instituições que hoje permitem que se combata isso. Ou seja, se não tivéssemos agido ao longo desse tempo, fortalecendo certas instituições, criando novos textos legislativos e mecanismos de transparência, isso não teria se dado. Foi no governo da presidente Dilma que se deu autonomia para a Polícia Federal investigar. E é uma autonomia tão diferenciada hoje que muitas vezes, quando se investiga alguém do governo, o ministro da Justiça é acusado de não controlar a Polícia Federal. Quando se investigam membros da oposição, sou acusado de persegui-los.

Mas está sendo comprovado que há vários membros do PT envolvidos nesses esquemas de corrupção...

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Há membros do PT envolvidos nessas organizações criminosas? Infelizmente, tem. Há porque na política brasileira membros de todos os partidos, muitas vezes, participam dessas organizações criminosas. E todos têm que ser punidos. Se o PT capturar o discurso de que a lei é para todos e que, pela primeira vez na história pessoas que têm o poder econômico e poder político vão para trás das grades e são investigadas, acredito que a população entenderá que seu papel agora também é histórico. Foi histórico quando fizemos a distribuição de renda. E está sendo agora quando estamos enfrentando e criamos as condições para o combate à corrupção.

Mas o eleitor não pode ter uma visão diferente dessa? Achar, por exemplo, que 2015 foi um ano onde o País, governado pelo PT, não só parou como viveu uma retração clara na economia. Desemprego e inflação aumentaram. Muita gente do PT e do governo sendo investigada e presa. Dilma também foi criticada pela mudança do que prometeu na campanha em relação às ações que foram feitas depois da posse. A oposição tentará afirmar isso. E nós temos que desqualificar isso. Mostrar que a crise econômica não pode ser analisada de uma maneira simplista, que são vários fatores externos e internos que a determinaram. Mostrar que, por outro lado, combater a corrupção traz abalos. E temos que combinar estabilidade econômica, desenvolvimento econômico com o combate à corrupção. E que, às vezes, por exemplo, uma investigação como a Lava Jato pode trazer danos econômicos. Mas nós temos que criar os mecanismos para superar essa situação. O PT tem que saber enfrentar isso. Não nos cabe uma postura meramente defensiva. Mas cabe ao PT ter uma postura ativa e mostrar o bem que ele trouxe ao País.

Com tanta corrupção sendo descoberta na política e com mudanças de regras, como o fim das doações eleitorais por empresas, acha que a próxima eleição pode ser o início de um novo parâmetro nas disputas?

Eu espero que seja. Deixei de disputar minhas eleições como deputado e fiz isso publicamente, numa carta, antes de 2010. Porque entendia que não havia condições de disputar eleições naquele sistema político, que é o atual ainda. É um sistema que gera corrupção e que gera problemas estruturais no âmbito da governabilidade. Cada vez está mais claro para a sociedade brasileira que, além da punição a envolvidos, a questão central deve ser o desenvolvimento de políticas que reestruturem a realidade do nosso sistema atual. Se ficarmos o tempo inteiro apenas buscando culpados e os punindo, estaremos atendendo parcialmente aquilo que é necessário. Eu tenho que atacar as causas, como também tenho que combater os efeitos. Combate-se os efeitos punindo e prendendo os corruptos. Dizemos que a lei vale para todos. Mas tenho que atacar as causas. E elas, em larga medida, remontam à questões estruturais de nosso sistema político. Isso só pode ser enfrentado através de uma reforma (política).

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