A política policial em Roraima, a terra de Jucá

Ministro do Planejamento cai, ex-governador é preso e Estado pode sofrer intervenção federal

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Por BOA VISTA
Atualização:

Estado brasileiro com a menor população, cerca de 505 mil habitantes, Roraima esteve no centro do debate nacional na semana passada devido a escândalos protagonizados por políticos locais.

O primeiro personagem foi Romero Jucá (PMDB), ex-governador e hoje senador eleito por Roraima, obrigado a se afastar do Ministério do Planejamento depois de ser flagrado em uma gravação na qual fala em “conter a sangria” da Operação Lava Jato.  

O ex-governador Neudo Campos se entrega à polícia suspeito de corrupção na área da saúde Foto: Diane Sampaio/Folha de Boa Vista

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O segundo ato envolveu dois arquirrivais de Jucá, o também ex-governador Neudo Campos (PP) e a médica Suzete Macedo, mulher do senador Telmário Mota (PDT-RR), ambos presos por suspeita de envolvimento com o “escândalo dos gafanhotos” – que desviou R$ 70 milhões da saúde de Roraima na década passada. Suzete foi liberada horas depois de se apresentar à Polícia Federal, graças a um habeas corpus do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região.

Já Campos permanece preso na sede da Polícia Federal em Boa Vista depois de uma cinematográfica tentativa de fuga para a Venezuela que, segundo os investigadores, contou com apoio de policiais lotados na Casa Militar da governadora Suely Campos (PP), mulher de Neudo.

Segundo a PF, a Justiça Federal em Roraima autorizou o compartilhamento do material colhido sobre a tentativa de fuga com a Procuradoria-Geral da República. Em nota, a Polícia Federal fala em “representação interventiva” no Estado com base no artigo 34 da Constituição, que prevê intervenção federal para “prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial”. A decisão caberá ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

O agora ex-ministro do Planejamento Romero Jucá (PMDB) Foto: ADRIANO MACHADO|Reuters

De acordo com a investigação, os policiais atuavam como “guarda-costas” de Neudo e usaram rádios e outros equipamentos da Polícia Militar para transferir o ex-governador dos esconderijos onde esteve durante os cinco dias em que passou foragido.

O plano era escoltá-lo até a Venezuela, mas os dois policiais foram presos e Campos foi obrigado a se entregar. Suely, por meio de sua assessoria, nega participação na tentativa de fuga e refuta a possibilidade de intervenção, alegando que “não existe qualquer fundamento constitucional para se falar em ação interventiva no Estado de Roraima, uma medida de exceção, cujos pressupostos legais não se encontram presentes na suposição levantada pela PF”.

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Suely foi lançada candidata na reta final da campanha de 2014 depois que a Justiça barrou a candidatura de Neudo com base na Lei da Ficha Limpa.

De fato. Segundo adversários, Neudo é o governador de fato. Em depoimento à Polícia Federal, o empresário venezuelano Pablo Martinez Gonzalez disse ter ouvido da governadora que “Neudo, na condição de assessor do governo, é o encarregado de negociar e supervisionar os projetos de investimentos”. O governo diz que o ex-governador se afastou desde que deixou o cargo de assessor, em janeiro.

Já sob custódia da Polícia Federal, na quarta-feira, Neudo acusou Jucá e o juiz federal Hélder Girão Barreto de perseguição política. O senador Telmário, autor de pedido de cassação do ministro licenciado no Senado, fez coro.

O juiz já esteve do lado oposto ao atribuir ao governo perseguição quando tentou tirar parentes da governadora de cargos no governo. Suely mantém um sobrinho, a irmã, uma filha e o sogro da filha como secretários de Estado. A irmã, Emília Mulinari, já teve os bens bloqueados pela Justiça. No ano passado, porém, o Conselho Nacional de Justiça decidiu afastar o juiz por irregularidades na contratação de arquitetos para a construção de um anexo do Tribunal de Justiça. A decisão foi suspensa pelo Supremo Tribunal Federal.

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Outra autoridade do Estado, o presidente da Assembleia Legislativa, Jalsen Renier, aliado de Jucá, teve o afastamento do cargo decretado pelo STF no ano passado, também por envolvimento com o “escândalo dos gafanhotos”, mas conseguiu reverter a decisão.

Teresa Surita (PMDB), ex-mulher de Jucá e prefeita de Boa Vista pela quarta vez, é ré ao lado do ex-marido em uma ação de execução fiscal por um empréstimo irregular de R$ 10 milhões tomado do Banco da Amazônia no caso conhecido como escândalo da Frango Norte.

‘Temer presidente’. No dia 14, apenas dois dias depois de o Senado ter afastado a presidente Dilma Rousseff do cargo, Teresa inaugurou as obras de remodelação da Praça das Águas, no centro de Boa Vista, bancadas em parte pelo governo federal. Na placa se lê “Michel Temer presidente da República”. A versão que corre na cidade é de que se trata da primeira placa com o nome de Temer como primeiro mandatário.

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Para o historiador Aimberê Freitas, ex-prefeito de Boa Vista e autor de mais de 20 livros sobre a história do Estado, o longo histórico de escândalos envolvendo os políticos locais é uma sequela das mais de quatro décadas em que Roraima foi território federal, de 1943 a 1988. “Isso repercute até hoje porque toda a autoridade se concentra nas mãos do Estado. O território tinha só quatro deputados federais. Hoje tem oito deputados, três senadores, deputados estaduais, etc. Isso faz com que cresça a vontade de ocupar os espaços”, disse ele. A prefeita de Boa Vista, o presidente da Assembleia do Estado e o juiz Barreto foram procurados, mas não quiseram atender a reportagem. A irmã da governadora não foi localizada.