A mão do gato

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Por Dora Kramer e dora.kramer@grupoestado.com.br
Atualização:

Nada mais impreciso do que considerar o enterro do voto em lista fechada e do financiamento público de campanhas eleitorais um recuo do Congresso no tocante à reforma política. Em relação a esse assunto, o Poder Legislativo continua onde sempre esteve: de abraços dados com o atraso, conservador até a medula, mantenedor de um sistema obviamente falido. Não que as referidas propostas, se aprovadas, significassem uma reformulação do sistema eleitoral. Nem de longe. Isoladas, sem a sustentação em outras mudanças de fato mais modernas, como o voto facultativo e por distritos, tais alterações poderiam produzir deformações. Semelhantes, por exemplo, às ocorridas com a adoção de medidas provisórias, um instrumento do parlamentarismo, no regime presidencialista. Não é essa a questão. O problema, como sempre, reside na desfaçatez de procedimentos. Há 15 dias, o presidente da Câmara, Michel Temer, anunciou que finalmente o Parlamento daria início ao debate da reforma política. A base da discussão seria um anteprojeto preparado pelo Ministério da Justiça, do qual foram destacados dois pontos tidos como mais urgentes: o voto em lista fechada e o financiamento público. Celebrou-se, tanto no Legislativo como no Executivo, o avanço contido nessas medidas, alegadamente destinadas a começar a corrigir as distorções do sistema. Desconfiou-se, na ocasião, de que o lançamento do tema no ar, assim sem nenhuma convocação do eleitorado ao debate, serviria a outros objetivos: apresentar uma agenda positiva em substituição à pauta dos escândalos de privilégios no Congresso, abrir espaço para a burla da regra da fidelidade partidária, cuja interpretação constitucional do Supremo Tribunal Federal veda a troca de partido sem justa causa e, quem sabe, incluir pelo instituto da desfaçatez algum artifício heterodoxo. Não deu outra. Alegando "divergências" na base governista, a pauta inicial foi arquivada e substituída por uma agenda que revela um pedaço da verdadeira face da reforma pretendida. Muita coisa ainda está obscura, mas o pouco já mostrado confirma as piores suspeitas. A história de lista fechada e financiamento público não passa de pura conversa fiada. O plano mesmo é criar um ambiente para dar vazão a toda sorte de arranjos eleitorais necessários à conveniência de suas excelências no ano que vem. Embromação com nome, sobrenome e certidão passada em cartório do céu. Para enfeitar o embrulho, decidiu-se pôr as propostas em votação na semana que vem "mesmo sem acordo". Isso quer dizer uma simulação de tentativa. Uma vez rejeitadas as propostas pela maioria, vai-se ao que de fato interessa. Por ora, à sugestão do deputado Eduardo Cunha de redução do prazo de filiação para candidatos à eleição de 2010. Pela regra atual, teriam de decidir seus destinos até setembro próximo. Pela alteração apresentada, ganham tempo até abril e, de quebra, imaginam passar a perna na Justiça Eleitoral. Reduzido o prazo entre a filiação e a eleição, dificilmente os tribunais conseguirão julgar casos de trocas indevidas de legendas antes do pleito. Consumados os fatos eleitorais, se houver algum problema depois basta alegar que o Judiciário extrapola seus limites e pretende se substituir à vontade do eleitor. Convenhamos: o que isso tem a ver com reforma política? Qual a relação de causa e efeito entre as deformações existentes e as correções necessárias? Onde fica o eleitor? No lugar de sempre: do lado de fora de um arranjo meramente eleitoral, de objetivos ainda não completamente esclarecidos, num clima de absoluta maluquice legislativa em que cada um inventa a jabuticaba que quer. Seja apresentada na forma de prorrogação do mandato de Lula, de emenda permitindo mais de uma reeleição, de plebiscito, de referendo, do que for. E o que será? Ninguém sabe. De evidente há apenas a nítida disposição de embaralhar as cartas já postas na mesa e a sombra da mão do gato pronta para providenciar a redistribuição como melhor convier à ocasião. Mistura Considerando que a declaração do presidente Lula sobre a "cura total" de Dilma Rousseff não vale como diagnóstico - prerrogativa exclusiva dos médicos que cuidam da ministra -, só pode ser vista como manifestação de natureza política. Balinha A posição do PT na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul em relação à proposta de CPI para apurar o uso de caixa 2 na eleição da governadora Yeda Crusius não servirá como moeda de troca para o PSDB na CPI da Petrobrás no Senado. Na hipótese de uma oferta improvável, os tucanos alegariam falta de troco, já que as dificuldades da governadora servem como uma luva ao plano de uma aliança PSDB-PMDB em torno do prefeito de Porto Alegre, José Fogaça.

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