A inocente útil

Justiça seja feita aos ministros que andaram falando mais e menos corretamente do que deveriam, foi o próprio Michel Temer quem disse em sua primeira reunião ministerial, logo depois de aprovado o impeachment de Dilma, que – observados os interesses do governo – todos teriam autonomia para agir e liberdade para se expressar. 

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Por Dora Kramer
Atualização:

Na ocasião, o interesse contido na declaração parece ter sido o de se diferenciar do estilo centralizador (para dizer de forma amena) da antecessora. Temer falou como quem dissesse “acabou a era do terror, daqui em diante teremos uma administração democrática”. Isso se refletiu de imediato no acesso da imprensa aos titulares das pastas, bem como na circulação de informações e trânsito no ambiente do Palácio do Planalto.

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Do ponto de vista do lado de cá do balcão, tudo melhorou. Já do lado de lá houve ruídos. Em alguns casos, estrondos. Percalços que o presidente acredita possam ser atribuídos à falta de uma política de comunicação bem definida e corrigidos em boa medida pela existência de um porta-voz responsável pela transmissão de informações oficiais. 

De onde foram consultados dois jornalistas de prestígio e competência reconhecidos – Eduardo Oinegue e Heraldo Pereira – que, com aguçado senso de propriedade, declinaram do convite para a função. A solução foi escolher um diplomata, por definição um servidor do Estado. 

Alexandre Parola e outros colegas de Itamaraty já haviam ocupado o cargo no governo Fernando Henrique. Temer quis importar o modelo, bem sucedido é verdade, mas cujo êxito relaciona-se apenas com os comunicados de caráter estritamente formal.

O porta-voz nem estratégias de comunicação – por mais competentes que sejam ambos – têm o condão de resolver os problemas com os quais se depara o governo: desacertos em série decorrentes principalmente da ordem do chefe que (acertadamente) garantiu autonomia e liberdade aos auxiliares. Ocorre, porém, que não levou em conta a capacidade de cada um de se garantir no desempenho das respectivas funções no tocante aos interesses primordiais do governo que, diga-se, até agora não foram claramente definidos. 

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Ademais, uma boa política de propaganda não assegura resultados. A questão central é a qualidade do produto. Luiz Inácio da Silva foi um mestre da comunicação sem que a resultante correspondesse. Dilma Rousseff foi sempre um desastre nessa seara e, no entanto, conseguiu se eleger e reeleger. 

O PT comunicou-se bem na teoria do “golpe”, mas não conseguiu transformar essa inteiração comunicativa em votos, conforme indicam as pesquisas eleitorais deste domingo. De onde se conclui que o governo Michel Temer chegará ao melhor ou ao pior termo não por se comunicar, mas por produzir melhores ou piores resultados para a vida de milhões de cidadãos aflitos com o dia de hoje e principalmente com a perspectiva do amanhã.

Fraude física. O aumento ou redução do uso do caixa 2 nas eleições são questões a serem vistas mais à frente. O que temos de concreto desde já são as fraudes nas doações de pessoas físicas, tema que vai adquirir grande relevância na semana que vem, uma vez examinados os resultados políticos.

O Tribunal Superior Eleitoral e o Tribunal de Contas da União cruzaram dados e encontraram 93 mil casos de possíveis fraudes em doações da ordem de R$ 300 milhões por parte de pessoas que não tinham renda para tal.

A suspeita, bastante consistente, é a de que partidos tenham usado CPFs de cidadãos livres de quaisquer suspeitas para acobertar doações proibidas de pessoas jurídicas. Os responsáveis poderão ter cassados os registros de candidaturas.

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