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A guerra continua

Com ministros e generais divididos, Bolsonaro ainda só pensa nisso: o fim do isolamento

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colunista convidado
Foto do author Eliane Cantanhêde
Por Eliane Cantanhêde
Atualização:

Está redondamente enganado quem acha que, depois de todas as evidências, do novo pronunciamento e do telefonema para Donald Trump, o presidente Jair Bolsonaro enfim se rendeu à importância vital do isolamento social. Não, ele recuou só na forma e na TV, mas continua firmemente a favor de liberar o comércio e o trabalho das pessoas. E não tem apenas apoio do filho Carlos e do “gabinete do ódio” do Planalto, mas de influentes generais à sua volta.

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Estudo da PUC-RJ e da Fiocruz jogou lenha na fogueira e reforçou no Planalto a implicância contra o isolamento, ao apontar uma evolução mais controlada do coronavírus no Brasil diante de EUA, China, Itália e Espanha. O estudo tem parâmetros científicos, óbvio, mas com base nos casos e mortes confirmados, quando as autoridades de saúde alertam que, entre os números oficiais e a realidade, há um fosso gigantesco.

Os relatos de parentes de vítimas abaixo dos 60 anos são contundentes: elas vão aos hospitais, radiografias e tomografias que não confirmam nada, tomam um remedinho para febre e voltam para casa. Sem o teste! Quando enfim são internadas, é tarde demais, os pulmões já estão parando, elas são entubadas e morrem em horas. Antes do resultado dos exames.

Sem contar as sabe-se lá quantas pessoas que tossem, têm febre e dor de cabeça, mas não conseguem fazer o teste nem mesmo em hospitais particulares, quanto mais nos sobrecarregados hospitais públicos. Logo, os números de infectados e mortos são muitíssimo maiores do que os oficiais.

Porém, a simples divulgação da “evolução controlada” do vírus alvoroçou gabinetes do Planalto, deixando evidente que o “recuo” do presidente entre o desastroso primeiro pronunciamento e o segundo, uma semana depois, foi só de boca para fora. Bolsonaro continua remoendo dia e noite a intenção de limitar o isolamento aos acima de 60 anos e/ou com doenças preexistentes. Logo, a guerra continua. Não apenas contra o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, mas contra o mundo todo e... boa parte dos próprios ministros. Dessa vez, nem a reviravolta de Trump dá jeito.

Ao elogiar o Ministério da Saúde e a imprensa até aqui, o ministro Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, pede “mais razão e menos emoção a partir de agora”. Considera que há exageros e cita a prisão de um rapaz que estava sozinho numa praia do Rio e a redução significativa dos ônibus em circulação em alguns Estados, o que, segundo ele, foi um tiro no pé: gerou mais aglomerações em pontos, ônibus e metrôs.

E, na quarta, Bolsonaro divulgava o vídeo de uma apoiadora implorando aos berros, na saída do Alvorada, para ele acabar com o isolamento, reabrir o comércio e “deixar as pessoas trabalharem”. Ignorando até mesmo uma distância mínima entre pessoas, ela distribuiu insultos à imprensa e desdenhou dos R$ 600 da emergência (ou R$ 1.200, caso seja chefe de família): “Não quero nada do governo!”.

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Ou seja: ela só quer que as pessoas corram o risco anunciado de morrer, matar ou ambos, mas teve apoio do presidente: “Você fala por milhões”, reagiu Bolsonaro, que mais tarde engatilhou novamente a metralhadora verbal contra governadores, que têm “medinho” de ir às ruas.

E assim, “la nave va”, com o governo jorrando medidas, todo mundo perguntando pela “operacionalização” e os ministros divididos, com os mais sensatos defendendo Mandetta e os protocolos internacionais de saúde, enquanto Bolsonaro aposta em duas coisas: Deus é brasileiro, logo a pandemia vai ser mais camarada aqui, e a cloroquina vai valer já, já contra o coronavírus e salvar a lavoura. Tomara que seja assim, mas o que a realidade está apontando é bem diferente: o tsunami só está começando e o remédio ainda vai demorar.

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