PUBLICIDADE

A ''doutrina Temer'' é inconstitucional?

Por Roberto Almeida
Atualização:

O professor de Direito Constitucional da Universidade Mackenzie João Antônio Wiegerinck considera que a iniciativa do presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), tem amparo na Constituição porque aprecia projetos como o aprovado anteontem sobre transparência. "É algo que representa um interesse maior da Nação." NÃO João Antônio Wiegerinck* Qual sua avaliação? Se o entendimento é de que Temer está aproveitando um momento delicado para permitir que projetos sobre transparência saiam do papel, ele não fere a Constituição porque não preteriu as MPs. Deixou que caminhassem ao mesmo tempo. Ações pela transparência pública são urgentes por causa dos escândalos. Ele está preservando nosso princípio da dignidade. É difícil de acreditar, mas em tese é isso mesmo. Há legalidade? É uma legalidade amparada em um mínimo de jurisprudência. Um caso totalmente interpretativo. A iniciativa dá real celeridade do Legislativo? Sim. Pela primeira vez em 50 anos estamos conseguindo, ainda que seja pelo volume de escândalos, implantar mudanças. Diante da comoção dentro da Casa, se o presidente aproveitou para fazer pressão sobre seus pares e iniciar discussões para reformas na gestão pública, isso é algo que representa um interesse maior da Nação. Nós poderíamos falar em uma ilegalidade se as MPs tivessem sido preteridas. Mas na medida em que as preservou, e em dado momento foi sensível para não coibir o início da reforma, ele preservou a dignidade dos representados. É uma solução definitiva para o trancamento de pauta? Coloca-se em discussão não só o trancamento de pauta em si, mas o uso da medida provisória. Desde sempre foi mal utilizada. Quem se beneficia? É o povo. Tem reflexos políticos, mas não são os primeiros. Ele está colocando para votar procedimentos de transparência. Enquanto isso as MPs são eleitoreiras, não demonstram relevância e urgência e só acatam temas do governo. *João Antônio Wiegerinck, professor de Direito Constitucional do Mackenzie SIM Oscar Vilhena * O constitucionalista Oscar Vilhena, estudioso do Supremo Tribunal Federal há 20 anos e professor da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), sustenta a inconstitucionalidade da iniciativa de Temer. Segundo ele, não há como contornar a posição de que os trabalhos da Casa devem ficar sobrestados enquanto as medidas provisórias não são votadas. A iniciativa é ilegal? Minha impressão é de que essa interpretação é inconstitucional. A Constituição é muito clara quando diz que ficam sobrestados os trabalhos legislativos. Não vejo muito como legitimar. O fato de haver uma liminar (concedida pelo ministro Celso de Mello, do STF) certamente favorece o presidente da Câmara. Ele está calçado juridicamente, mas discordo do conteúdo da liminar. Existe uma inclinação no STF para que essa mudança seja aprovada? É uma questão delicada. O Supremo já manifestou inúmeras vezes sua irritação com o excesso de MPs. Agora a questão é decidir se, autorizando-as, haverá um aumento no número de MPs ou um aumento na autonomia do parlamento. Não dá para saber, porque uma questão semelhante a essa nunca foi colocada. No entanto, mesmo reconhecendo a discricionariedade do presidente, que reconhece relevância e urgência nas medidas, os ministros ainda se demonstram desconfortáveis. Quem saiu beneficiado? A minoria parlamentar perdeu um mecanismo de obstaculização da maioria. E saiu beneficiado o governo, que pode mandar quantas MPs quiser que não vai constranger o parlamento. Os presidentes anteriores da Câmara sempre criticaram os excesso de medidas. O presidente da República eventualmente negociava. Agora não há mais esse problema. E isso é ruim para o Brasil. Reforça uma tendência de expansão do Poder Executivo na função legislativa. Temer criou um "falso equilíbrio"? Sim. É muito bom porque o Legislativo vai poder tocar seus projetos. Mas o presidente vai poder mandar mais MPs. O Congresso não vai mais poder gritar. Vai ter de aprovar as medidas provisórias e vai ter de dar conta de sua própria agenda. R.A. * Professor da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV)

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.