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''A crise é do Senado, não minha'', diz Sarney da tribuna da Casa

Linha do discurso de 33 minutos foi definida em reunião pela manhã com Renan, Jucá e Agripino Maia

Por Eugênia Lopes , Christiane Samarco e BRASÍLIA
Atualização:

"A crise é do Senado, não é minha." Esse foi o recado mais duro pronunciado pelo presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), em um discurso de 33 minutos, sem apartes, feito na tarde de ontem. Ao responsabilizar todos os senadores pela crise administrativa e política, o parlamentar conquistou o apoio dos líderes, incluindo os da oposição, para a ideia de que vai continuar a "corrigir erros" e a "tomar providências sem soltar fogos de artifícios". Ouça íntegra do discurso de Sarney no Senado Enquete: A crise é do Sarney ou do Senado? Galeria de fotos: Sarney vai a plenário se defender Para comprometer os senadores, Sarney citou alguns colegas da Mesa Diretora, como o primeiro-secretário, Heráclito Fortes (DEM-PI), e o vice-presidente, Marconi Perillo (PSDB-GO), ambos da oposição, para dizer que nunca toma "providências pessoais". Afirmou gostar de decisões "coletivas". Apesar de ter pelo menos meia dúzia de parentes e aliados políticos nomeados por meio de atos secretos revelados desde a semana passada pelo Estado, Sarney disse no discurso que não aceita ser julgado por causa da nomeação de um neto ou uma sobrinha, o que considera, depois de 50 anos de vida pública, "uma falta de respeito". Ao encerrar o pronunciamento, o presidente do Senado declarou: "Uma injustiça julgar um homem como eu, com tantos anos de vida pública, com a correção que tenho de vida austera, de família bem composta, que tem prezado sua vida para a dignidade da sua carreira." Acrescentou que sempre votou "no sentido de avançar para melhorar os costumes da Casa." Descolando-se dos atos administrativos que desmoralizam a Casa, Sarney sentenciou: "Eu não vim para administrar, para saber da despensa do Senado, o que havia lá. Eu vim, eu sou o presidente do Senado, para exercer uma função política", disse. O mesmo tom grandiloquente já havia aberto o discurso: "A instituição é maior que todos nós somados." BASTIDORES A estrutura do discurso foi definida logo cedo, em reunião reservada na casa de Sarney, da qual participaram os líderes do PMDB, Renan Calheiros (AL), do DEM, José Agripino Maia (RN), e do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR). Na véspera, o presidente da Casa cogitara apenas divulgar uma nota oficial. Ao final dos 40 minutos de conversa com o grupo mais próximo, no entanto, não havia dúvidas de que o melhor para tentar "inverter" a curva ascendente da crise era um discurso da tribuna, em que ele começasse pontuando todas as medidas e providências tomadas desde o início da crise. Quem participou da conversa diz que o parlamentar estava "tenso, preocupado e indignado", por causa dos casos pessoais que teriam sido "pinçados" dos relatórios sobre os atos secretos. Também se queixou por se julgar vítima de uma guerra interna na burocracia do Senado, em que velhos funcionários se digladiam contra o grupo mais novo, dos concursados, e também contra os comissionados, que se multiplicaram de 2003 para cá e hoje são maioria, embora não tenham vínculo com o Senado. Para evitar problemas e melhorar o clima no plenário, Renan entrou em campo de manhã. Ele telefonou para os senadores Pedro Simon (PMDB-RS) e Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), especialmente para "desmentir intrigas" segundo as quais ele, Renan, teria "prevenido" Sarney com relação a possíveis manifestações hostis da dupla. DEMOCRACIAS Depois de atribuir parte dos problemas à crise mundial das democracias representativas - citou o escândalo envolvendo o parlamento da Inglaterra, os gastos com passagens e compra de apartamentos na França - e de lembrar que no passado resistiu ao AI-5 - ato institucional do regime militar que aboliu de vez as liberdades individuais no País - e "teve coragem" de deixar o partido da ditadura, o PDS, para começar a transição para a democracia, Sarney fez um alerta baseado na ideia de que "muita gente está interessada em enfraquecer o Senado". Na avaliação do presidente da Casa, a crise atual "tem a finalidade de enfraquecer as instituições legislativas", o que permitira que o poder fosse "exercido por outros". E citou quem poderia se apropriar desse poder: "Grupos econômicos, alguns setores radicais da mídia e radicais corporativistas que passam a exercer, pressionar e ocupar o lugar das instituições legislativas." Sarney alertou que "no mundo inteiro está se vendo esse processo".

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