80 anos de 1932 - a melhor vitória

Artigo de Antonio Penteado de Mendonça analisa a revolução historicamente

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Por Antonio Penteado Mendonça
Atualização:

REPÚBLICA

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A Proclamação da República no Brasil foi um acidente com péssimos resultados. Proclamada na hora errada, por um monarquista magoado, desde o nascimento, o novo regime foi marcado pela contradição.

Sonhada e vista como a melhor alternativa para depois da morte do Imperador, tendo à frente importantes homens públicos e de negócios, especialmente de São Paulo, a República, que foi na origem um movimento civil, entrou em cena pela espada de um marechal desencantado.

Com ela, sobem ao palco as Forças Armadas, até então subordinadas aos civis, mas, a partir dali, já no primeiro momento, assumindo papel de destaque na condução dos destinos da nação.

Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto. Com os dois militares, a República se afirma e substitui o Império, quebrando a ordem quase centenária que fazia do Brasil uma nação ímpar na América Latina.

Segundo o jornalista Julio Mesquita, republicano convicto e que rapidamente se decepcionou com seus resultados, a República chegou cedo demais. Além disso, era um movimento civil. A entrada em cena dos militares modificou seu caráter e deturpou sua razão de ser.

O resultado foi que, durante quase todo o século 20, o poder oscilou, pendendo dos militares para os civis e dos civis para os militares.

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Até 1930 a enorme independência dos estados pautou o ritmo. O presidente mandava, mas precisava dos governadores. São Paulo e Minas Gerais governavam a nação, mas tinham que se compor e ceder. O resultado foi um período juridicamente inseguro, pautado na vontade de poucas pessoas. Em tentativas de golpes, estado de sítio, revoluções, levantes, permeados por novas ideias que chegavam com toda a força.

Ao mesmo tempo, impulsionado pelo café, São Paulo começava a destoar da média. O estado se modernizava, se transformava, descobria a industrialização, o comércio, a classe média e o operariado especializado.

 

O BRASIL NA VELHA REPÚBLICA

A República chegou por engano, a reboque do ato intempestivo de um marechal monarquista. Coisas do Brasil, mas nada de tão estranho no imenso cipoal de acasos que marca nossa história.

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Desde o início, as coisas não aconteceram da melhor maneira possível. Deodoro da Fonseca, o primeiro presidente da República, governou na marra. Seu sucessor, Floriano Peixoto, foi responsável por um dos governos mais brutais e sanguinários de toda a história do Brasil. Na sequência, veio a Guerra de Canudos, depois a do Contestado.

E veio Campos Salles e a política dos governadores. E a inflação, que, depois de controlada por ele, voltou a crescer. E presidentes vingativos, e golpes e meios golpes de estado, e eleições fraudulentas, e listas de políticos com nomes previamente acertados e mais isso e mais aquilo, até o começo de 1920.

Com o final da Primeira Guerra Mundial, surgem novas demandas sociais. O proletariado passa a exigir. As doutrinas marxistas se espalham pelo mundo. A extrema direita se contrapõe à extrema esquerda.

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No Brasil, o "Levante dos 18 do Forte de Copacabana" marca o início de um novo tipo de movimento. Os "tenentes" deixam os quartéis para influir por bem ou por mal na vida política do país.

Começam derrotados, mas o levante de 1922, no forte do Rio de Janeiro, deságua na revolução de 1924, em São Paulo. E a derrota em 1924 dá origem à Coluna Prestes, que vara o país em nome de uma nação diferente.

Ao mesmo tempo em que São Paulo progride, o Brasil avalia seu futuro. Ações de todas as naturezas explodem em todas as regiões do país.

A crise de 1929 quebra a nação. O presidente Washington Luiz, traindo o acordo do "Café com Leite", se recusa a aceitar um sucessor mineiro. Impõe outro paulista, que ganha a eleição, mas não leva. A revolução de 1930 ganha força. Triunfa. Getúlio Vargas assume o poder. Os paulistas, logo depois, são tratados como vencidos. As sementes de 1932 estavam plantadas.

 

ANTEVÉSPERA

Proclamada de forma atabalhoada, a República brasileira chegava sem uma estrutura política que lhe servisse de base. Copiada dos Estados Unidos, a nova ordem deixava de lado o parlamentarismo para introduzir o presidencialismo. Quebrava-se a tradição brasileira, dando ao presidente um poder excessivo, inclusive para controlar o Congresso.

O mundo passava por profundas transformações. A Primeira Guerra Mundial redefiniu a ordem europeia. Sua herança foram as doutrinas totalitárias de direita e de esquerda. De outro lado, a industrialização dava aos trabalhadores novas aspirações, possibilidades e direitos.

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Enquanto o mundo mudava, a maior parte do Brasil seguia na sua toada agrícola, sem maior importância, exceto pela trajetória do café. Café produzido em São Paulo, que, por isso, se transformara desde o final do século 19 no estado mais rico da nação.

Com as portas deliberadamente abertas para os imigrantes que quisessem vir tentar a sorte, o estado recebeu centenas de milhares de pessoas dispostas a lutar por um futuro melhor. Com elas vieram novas ideias políticas e sociais, a tecnologia industrial, o empreendedorismo. Do outro lado, os fazendeiros paulistas investiram os recursos gerados pelo café nos novos projetos e empreendimentos.

Em poucas décadas, o país agrícola e atrasado passou a ter um único estado andando em outro ritmo. Com a cidade de São Paulo se transformando "na cidade que mais crescia no mundo", surge uma classe média consciente de seus direitos, com aspirações mais altas para os filhos. E nasce um operariado urbano, qualificado e especializado, que deseja que seus filhos ingressem na classe média. Ambos acalentam a esperança de uma nação mais justa como base para o futuro.

Depois de quatro décadas mais ou menos turbulentas, a crise de 1929 mergulhou o Brasil na insolvência. Para completar o quadro, o presidente paulista se recusou a aceitar um mineiro como sucessor, quebrando a antiga regra combinada entre os políticos dos dois estados. O resultado foi a insatisfação se espalhar pela nação. E a revolução de 1930 sair vitoriosa. E Getúlio Vargas se impor como ditador, de braços dados com os tenentes.

O "Governo Provisório", comandado por Vargas, trata São Paulo como inimigo. Nomeia João Alberto, um "tenente" sem qualquer laço com a terra, interventor e desconsidera o apoio dado pela população paulista e pelo Partido Democrático, fundamentais para sua vitória.

Em pouco tempo, pelas mais diversas razões, várias áreas do país se mostram insatisfeitas com o governo de Getúlio Vargas. Em São Paulo, a insatisfação encontra campo na desconsideração pelas lideranças políticas do estado, mas, principalmente, na ameaça ao modo de vida e ao progresso e desenvolvimento material que rapidamente melhoravam os níveis de vida da população.

São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais assinam um pacto para depor Getúlio Vargas, caso aconteça uma das situações nele previstas. Entre elas, a destituição do General Bertoldo Klinger do comando de Mato Grosso. Klinger escreve uma carta malcriada para o Ministro da Guerra, forçando sua destituição.

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Com a destituição do general, São Paulo, quem sabe até pela impossibilidade de adiar o início do movimento, considerou que se dera a ruptura exigida pelo pacto entre os três estados, se mobilizou e se preparou para a luta armada. Minas Gerais e Rio Grande do Sul não o acompanham.

 

9 DE JULHO DE 1932

No dia 9 de julho de 1932 São Paulo deu início ao movimento que duraria três meses, que mataria perto de mil pessoas e que, de uma forma torta, consolidaria Getúlio Vargas no poder até 1945.

No dia 9 de julho, no rastro da efervescência política que tomava suas ruas desde o começo do ano, os paulistas decidiram ir à guerra. Não era mais possível suportar a humilhação de sua condição de território ocupado. De ser palco para experiências políticas que comprometiam suas conquistas sociais. Enfim, que era hora de avançar para o Rio de Janeiro e depor Getúlio Vargas, em consonância com os anseios dos movimentos que pipocavam contra o regime, em várias partes do país.

Mal armados, mal equipados e mal comandados, a única chance de vitória era uma ação rápida, com a invasão da Capital Federal pouco tempo depois do começo das hostilidades.

Se as tropas paulistas avançassem rapidamente contra a Capital Federal, o Rio de Janeiro se levantaria, com a maioria dos militares aderindo ao movimento para a deposição de Getúlio Vargas e a redemocratização da nação.

O caminho estava aberto. Entre a Estação da Luz e a Estação Central do Rio de Janeiro não havia nada, nem ninguém capaz de interromper a marcha avassaladora das tropas constitucionalistas.

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Nada, exceto o comandante dos exércitos de São Paulo.

Sem nenhuma oposição pela frente, o Coronel Euclides Figueiredo ordenou que as tropas parassem ao atingir a divisa com o Rio de Janeiro.

Segundo ele, os comandantes da Revolução eram os generais Isidoro Dias Lopes e Bertoldo Klinger, este, uma figura trágica que, atrás de muita empáfia, escondia enorme incompetência.

Então, que as tropas aguardassem a decisão dos comandantes. Nessa hora, Klinger ainda estava em Mato Grosso, donde viria com muita bravata, mas sem nenhum dos milhares de soldados que prometera trazer consigo.

Acatando a ordem míope, os paulistas suspenderam o ataque. De seu lado, os cariocas suspenderam a respiração. E Getúlio Vargas deu graças a Deus pela cegueira do comando paulista. Com a interrupção do ataque, ele ganhou o tempo que precisava para mobilizar o Brasil contra São Paulo.

Rapidamente São Paulo, mal armado e com tropas compostas por voluntários, foi cercado por exércitos e polícias profissionais, vindos de todos os estados, bem armados, treinados e equipados.

 

DEPOIS DA GUERRA

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Por três meses os paulistas lutaram contra tropas de todo o Brasil. No final de setembro não havia muito mais a ser feito. Em 2 de outubro cessaram os tiros, os canhões e as metralhadoras se calaram e a mira do fuzil deixou de buscar o inimigo. De novo, em outubro de 1932, o Brasil era uma terra unida, mas com vencidos e vencedores.

Os líderes civis e militares da guerra paulista foram embarcados no navio Siqueira Campos e exilados em Portugal.

Aos poucos, lentamente, o estado devastado pelos combates, começou a se reerguer. A vida retomou suas rotinas, a população voltou para seus afazeres, as fábricas, lojas, construtoras, bancos, casas exportadoras, seguradoras e profissionais liberais retomaram o antigo ritmo e recomeçaram a mover a economia nacional.

A população paulista reiniciava sua luta de cada dia, rumo a um estado de bem estar social e riqueza relativa.

Em 1933 Armando de Salles Oliveira foi nomeado interventor em São Paulo. Com ele se reestabelece a harmonia nacional, os exilados paulistas podem voltar, o Brasil reencontra seu equilíbrio e em 1934 vota-se uma Constituição.

A leitura tradicional da história de São Paulo coloca a Constituição de 1934 como a contrapartida para a derrota nos campos de batalha, em outubro de 1932.

Em certo sentido, a leitura é correta. Os paulistas denominavam o movimento de 1932 "Revolução Constitucionalista".

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Mas é uma leitura parcial e imediatista, necessária para dar um sentido e explicar a morte de quase 1000 pessoas nos campos de batalha.

80 anos depois, o movimento armado de 1932 surge como um equívoco. Com as tropas parando na divisa do Rio de Janeiro, não havia como São Paulo vencer a guerra. Então a derrota foi lógica. Mas a Revolução é um marco. Um divisor de águas, no qual a população do Estado exprimiu sua vontade e foi à luta para manter suas conquistas.

A verdadeira vitória paulista aconteceu também em 1934, mas com a criação da Universidade de São Paulo, a primeira universidade do Brasil. Pensada em detalhes por Júlio de Mesquita Filho e criada por seu cunhado Armando de Salles Oliveira, a USP é que vira o jogo. Preparada para formar a elite política e empresarial do Estado, é dela que saem as ideias e a capacidade empreendedora que, em poucos anos, industrializam São Paulo, mudam os níveis de produção e os patamares sociais, consolidam a urbanização, a educação superior gratuita e a educação profissional. Enfim, criam uma sociedade comparável às nações mais modernas do mundo, em termos de progresso e qualidade de vida.

 

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