TSE proíbe manifestação em festival de música; artistas e políticos reagem

Ministro da Corte Eleitoral concedeu liminar pedida pelo partido de Bolsonaro após protestos no Lollapalooza; especialistas afirmam que medida contraria jurisprudência

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Por Gustavo Côrtes , Pedro Venceslau , Eduardo Gayer , Iander Porcella (Broadcast), André Carlos Zorzi e Patrick Freitas
Atualização:

BRASÍLIA - O ministro Raul Araújo, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), acolheu pedido do partido do presidente Jair Bolsonaro, o PL, e proibiu, em decisão liminar, manifestações políticas no festival de música Lollapalooza. A decisão provocou a reação de artistas, como a cantora Anitta, e foi criticada por políticos, como o pré-candidato à Presidência João Doria (PSDB). Especialistas em direito eleitoral disseram que a medida contraria jurisprudência da Corte. Consultados pelo Estadão, ministros do TSE demonstraram desconforto com a liminar.

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A decisão de Raul Araújo fixa multa de R$ 50 mil à organizadora do evento em caso de descumprimento. Na tarde de ontem, após a decisão se tornar pública, a banda Fresno exibiu um telão com a frase “Fora Bolsonaro” no palco principal do festival. Durante participação no show, cantando Toda Forma de Amor, Lulu Santos subiu ao palco e afirmou: “Censura nunca mais!” A organização do Lollapalooza, que terminaria ontem à noite, em São Paulo, informou que recorreria da liminar.

Em seu despacho, o ministro do TSE afirma: “A manifestação exteriorizada pelos artistas durante a participação no evento, tal qual descrita na inicial, e retratada na documentada anexada, caracteriza propaganda político-eleitoral”. O magistrado afirmou que a liberdade de expressão, direito assegurado na Constituição, não contempla as manifestações políticas dos artistas como as vistas no festival. “Caracteriza propaganda, em que artistas rejeitam candidato e enaltecem outro.”

O partido de Bolsonaro entrou com pedido no TSE para proibir manifestações como a da cantora Pabllo Vittar, que gritou "Fora Bolsonaro" e desfilou com uma bandeira deLula no encerramento do seu show no Lollapalloza. Foto: Taba Benedicto / Estadão

No mesmo fim de semana em que organizou um ato político com a presença de Bolsonaro, com forte tom eleitoral, o PL foi à Justiça contra a organizadora do Lollapalooza após artistas como Pabllo Vittar criticarem o presidente e exaltarem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em suas apresentações. Pabllo exibiu uma bandeira de Lula. A sigla alegou que as manifestações dos artistas configuram campanha eleitoral antecipada.

Desconforto

A decisão de Raul Araújo causou desconforto entre outros ministros da Corte. Nos bastidores, parte dos magistrados reagiu negativamente e viu cerceamento injustificado à liberdade de expressão. A decisão poderá ser revista pelo próprio ministro no julgamento do mérito e, em plenário, tem o potencial de ser derrubada. O crivo dos pares formará o entendimento do TSE sobre o tema em caráter vinculante – ou seja, válido para casos futuros semelhantes, segundo uma fonte do tribunal. Ministros ouvidos pelo Broadcast Político alegam que, além de a decisão ferir a legislação, o TSE ficou exposto a críticas e a um debate jurídico que seria descabido.

Artistas como Caetano Veloso foram às redes sociais lançar a campanha #LollaLivre. A cantora Anitta se manifestou contra a decisão. Em uma publicação em suas redes sociais, ela ironizou o valor da multa imposta pelo ministro. “50 mil? Poxa... Menos uma bolsa. Fora Bolsonaro. Essa lei vale até fora do País? Porque meus festivais são só internacionais.”

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O apresentador Luciano Huck, questionou: “Num festival de música, quem decide se vaia ou aplaude a opinião de um artista no palco é a plateia e não o TSE. Ou ligaram a máquina do tempo, resgataram o AI-5 e nos levaram para 1968?”. Doria afirmou: “Lamentável a censura imposta a artistas do Lollapaloooza. Não ao cala boca!”

Segundo o advogado Arthur Rollo, membro da Comissão Direito Eleitoral da OAB-SP, há vários processos julgados pelo TSE que contrariam a liminar. Em um deles, o advogado da campanha de reeleição de Bolsonaro, Tarcísio Vieira de Carvalho, então ministro da Corte, votou pela improcedência. “Os julgados pelo TSE deixam claro que propaganda eleitoral só ocorre se houver pedido direto de voto e não voto”, disse Rollo. “A bandeira com a cara do Lula usada pela Pabllo Vittar não tinha pedido direto de voto. Era uma manifestação espontânea. A Marina instigou o povo a falar fora Bolsonaro, o que não é pedido direto de não voto.”

Para Gabriela Rollemberg, da Associação Brasileira de Direito Eleitoral e Político, a decisão fere a Constituição ao restringir a liberdade de opinião dos artistas. O advogado Alberto Rollo prevê que a decisão será reformada pela Corte. Segundo Fernando Neisser, presidente da Comissão de Direito Político e Eleitoral do Instituto dos Advogados de São Paulo, a decisão tem um entendimento ultrapassado da lei eleitoral. “Na minirreforma de 2015 houve flexibilização. O debate político não começa no dia 16 de agosto. A sociedade debate política a todo momento. Só não pode fazer propaganda negativa impulsionada na internet. Não se trata disso. É muito perigosa essa decisão, porque ela blinda a Presidência de ser criticada.”