Só Perillo não viu

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Por Dora Kramer
Atualização:

O governador Marconi Perillo começou comandando o show na CPMI mais famosa do Brasil.Senhor do tempo na apresentação inicial feita em tempo quatro vezes maior que os 20 minutos regulamentares, deu explicações em princípio convincentes sobre a venda da casa onde foi preso Carlos Cachoeira, aproveitou para propagandear seus feitos em Goiás e ainda reivindicar a autoria de dois dos mais celebrados programas sociais do governo petista: o ProUni e o Bolsa-Família.Contou para isso com a colaboração da linha de interrogatório escolhida pelo relator, feita no intuito de cumprir o rito de defesa e levar o governador a se pronunciar sobre tópicos polêmicos já conhecidos e a respeito dos quais Perillo chegou bem preparado para responder.Em uma hora e meia de questionamento, o deputado Odair Cunha deixou passar oportunidades de preencher lacunas sobre as relações dele com Cachoeira.Tampouco deu ouvidos às reiteradas referências do governador ao envolvimento de pessoas, partidos e governos com pagamento de propinas, com a construtora Delta, com o senador Demóstenes Torres e com o acusado de comandar a organização criminosa alvo da comissão de inquérito.Fruto de um pacto não escrito nem explícito de não agressão entre PT e PSDB, com participação coadjuvante do PMDB?As citações elogiosas de Perillo ao governo, aos ministros, à presidente Dilma Rousseff e a maneira como se esquivou de abordar o aviso dado a Lula sobre a existência do mensalão poderiam reforçar essa percepção.Mas acertos são de difícil sustentação, como demonstrado pela reação do PSDB quando o relator referiu-se ao governador como "investigado" e perguntou se ele abria mão de seus sigilos fiscal, bancário e telefônico.Além disso, as investigações dependem mais do cruzamento de informações substantivas - obtidas, por exemplo, da quebra de sigilos - que do conteúdo dos depoimentos.Nestes, às vezes importa observar mais o que o depoente busca ocultar e menos o que se preparou para contar.Na participação do governador Marconi Perillo chamou atenção o modo como procurou mostrar-se absolutamente alheio às atividades ilegais de Carlos Cachoeira.Soou artificial ao dizer que desconhecia as andanças de Cachoeira pelas margens da lei e que não acompanhou a participação dele como um dos personagens principais da CPI dos Bingos - da qual resultou um pedido de indiciamento criminal - por falta de tempo para "ver televisão". Pueril, não suscitasse desconfiança tamanha alienação.Também não viu nem ouviu coisa alguma sobre um vídeo divulgado no ano de 2004 em que Cachoeira e Waldomiro Diniz, este como presidente da Loterj e aquele como representante de consórcio prestador de serviços à autarquia fluminense, dialogavam sobre o pagamento de um porcentual do valor de contrato para financiamento de campanhas eleitorais.A acreditar nessa versão, Perillo teria sido o único.O governador foi contraditório na diferença de tratamento adotada conforme a situação. Quando relatava encontros em dois jantares, uma audiência em palácio de governo e telefonema de cumprimentos por ocasião do aniversário, o Perillo referiu-se a Carlos Augusto Ramos como "empresário".Quando lhe interessou marcar distância, citou gravação da Polícia Federal em que Cachoeira reclamava com a mulher da ação do governo contra o jogo ilegal, para mostrá-lo como contraventor caçado pela polícia de Goiás.Se era alvo da polícia, por que o governador telefonou para cumprimentá-lo? A quem fez a gentileza, ao contraventor ou ao empresário?Dúvida que fica. Não a única.Há elos a serem esclarecidos: a proximidade da ex-chefe de gabinete do governador com Cachoeira a quem é ligada a pessoa jurídica compradora do imóvel onde foi preso nosso personagem, em negócio intermediado por Wladimir Garcez, dublê de funcionário da Delta e agente facilitador do contraventor junto ao poder público.

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