Siemens admite à PF suspeita de propina

Em depoimento, executivo diz que pediu investigação de conta em Luxemburgo; até então empresa apontava apenas existência de cartel

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Foto do author Fausto Macedo
Por Fernando Gallo , Ricardo Chapola e Fausto Macedo
Atualização:

Um alto executivo da Siemens na Alemanha declarou à Polícia Federal que a multinacional suspeita que parte dos US$ 7 milhões de uma conta no paraíso fiscal de Luxemburgo atribuída a Adilson Primo, seu ex-presidente no Brasil, foi usada para pagar propina a agentes públicos brasileiros. É a primeira vez que a Siemens, que denunciou o cartel no sistema metroferroviário de São Paulo e do Distrito Federal, fala oficialmente em propina. Mark Willian Gough, australiano, residente em Munique, vice-chefe do setor de compliance - setor que disciplina regras internas de conduta -, depôs à PF em São Paulo dia 6 de novembro. Em 12 páginas ele detalhou as investigações da Siemens sobre a conta e relatou que a Justiça da Suíça o informou que parte dos recursos que transitaram pela conta de Primo foi parar em contas de um funcionário da reserva da Marinha e de doleiros que foram presos durante a investigação do caso Banestado - evasão de R$ 30 bilhões de dólares de empresários brasileiros no exterior nos anos 1990, via o antigo Banco do Estado do Paraná.Ele disse que tem "vasta experiência" e trabalhou na Organização das Nações Unidas, que o contratou para investigar e expurgar casos de irregularidades e corrupção. Afirmou à PF que "pode esclarecer que, no seu entender, todo o esquema foi dirigido por Primo em nível intelectual".Gough disse que as transferências para uma conta bancária no paraíso fiscal de Luxemburgo foram "feitas sob as instruções e a mando de Primo". O próprio ex-presidente da Siemens no Brasil era titular da conta com outros diretores da companhia. Primo diz que a conta era operacionalizada pela matriz na Alemanha, que tinha conhecimento dela.O executivo afirmou que a Siemens soube da conta em 2008, por meio de denúncia de um funcionário. Segundo ele, a conta "não estava registrada regularmente na contabilidade, não era declarada nos documentos oficiais e não era de conhecimento da empresa". Gough relatou que os US$ 7 milhões foram transferidos para Luxemburgo via contas da Siemens nos Estados Unidos e na Alemanha.Ele contou que após descobrir as transações e questionar Primo e outros detentores da conta, a investigação chegou a um "dilema": ou os recursos tinham sido desviados para benefício do ex-presidente e diretores ou o dinheiro tinha sido usado para "pagar propina a agentes públicos, conforme informou o empregado que fez a denúncia sobre a conta", nos dizeres de Gough."Caso a primeira hipótese fosse confirmada, o depoente teria levado os fatos imediatamente às autoridades competentes do país da subsidiária", anotou a PF, citando o compliance. "Nesse caso, porém, como havia a possibilidade de os valores terem sido usados para propina, mas a empresa não tinha provas da participação de cada um dos envolvidos, o depoente pediu a seu chefe autorização para levar os fatos ao procurador de Luxemburgo e solicitar formalmente a abertura de uma investigação criminal." No começo de 2011, a Siemens entregou os documentos ao procurador de Luxemburgo. A investigação, disse Gough, mostrou que parte dos ativos recebida por empresas offshores em paraísos fiscais.A Justiça da Suíça informou que valores foram transferidos para três contas de brasileiros, uma delas de Marcos Honaiser, oficial reformado da Marinha, que também foi membro da Comissão Nacional de Energia Nuclear. As outras duas contas são de escritórios dos doleiros Antonio Pires de Almeida e Ana Lucia Pires de Almeida, ambos falecidos, Paulo Pires de Almeida, Raul Henrique Srour e Richard Andrew Van Oterloo.A Siemens informou ontem em nota que as investigações "têm como fonte a denúncia espontânea e voluntária da empresa resultantes de suas investigações internas desde 2008, que não encontrou quaisquer evidências de corrupção". "Com base em sua política de integridade e obediência às leis, a Siemens forneceu e continua fornecendo documentos resultantes de suas averiguações internas para que as autoridades possam prosseguir com suas investigações."A multinacional fechou acordo de leniência em maio com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), órgão federal que fiscaliza a concorrência empresarial. No acordo, pelo qual espera aplacar futuras sanções, não há citação de propina.

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