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Senadores têm planos de saúde com mais privilégios entre os Poderes

Benefício vitalício e sem restrição pago pela Casa atende até a familiares de suplentes que ocuparam cargo por no mínimo seis meses

Por Vannildo Mendes , Ligia Formenti e BRASÍLIA
Atualização:

A clássica separação entre os Poderes da República - que sugere um equilíbrio entre Executivo, Legislativo e Judiciário - dá lugar a um sistema de castas quando o assunto é plano de saúde dos poderosos de Brasília. O Senado virou alvo, nesta semana, de uma ação civil pública por causa de seus gastos e características dos benefícios concedidos aos parlamentares e seus familiares, que desfrutam praticamente de assistência integral, vitalícia e gratuita. No Executivo, os planos estão mais próximos daqueles oferecidos pelas empresas privadas a seus funcionários: a União dá um subsídio para pagamento da mensalidade e desconta o restante nos contracheques do servidor - isso vale do ministro titular da pasta aos demais cargos (leia texto abaixo). Na área intermediária está a Câmara, com regras um pouco mais rígidas do que as do Senado, mas que comportam um rol considerável de exceções previstas no próprio regulamento.O Supremo Tribunal Federal (STF), que serve de modelo para todo o Poder Judiciário, oferece um plano sem distinção, que vale tanto para os ministros como para os servidores de todos os níveis. Todos contribuem para o fundo de manutenção do plano, que segue o modelo de autogestão e permite negociar reduções de gastos com os serviços aos usuários. A proporção é de 2 reais do poder público para cada real recolhido do servidor.Diferenças. O abismo entre os sistemas fica mais perceptível quando se compara o quanto vale a saúde dos servidores de cada poder. De acordo com a ação do Ministério Público, o Senado desembolsou R$ 97,9 milhões em 2010 para custear seus gastos com saúde. Os valores caíram em 2011, passando a R$ 66,1 milhões. Segundo a assessoria da Casa, o valor elevado de 2010, apontado pelo MP, ocorreu para compensar o corte orçamentário do ano anterior. No entanto, a extensão dos benefícios dos senadores e parentes foi mantida como sempre. O gasto com despesas médicas foi de R$ 4.161 por servidor em 2010 - ano utilizado pela Procuradoria para orientar a ação e comparar padrão de gastos entre os Três Poderes. Para comparação, no mesmo ano, os recursos movimentados pelo setor de saúde suplementar - os planos de saúde das empresas privadas e das pessoas físicas - totalizaram R$ 1.634 por segurado. Ajustado, com base nos valores de 2011, o gasto per capita do Senado é semelhante à média desembolsada pela Câmara para cada deputado, dependente e servidor: R$ 2.687. Na cúpula das duas Casas, no confronto direto entre senadores e deputados, porém, os primeiros continuam a levar vantagem pela amplitude da cobertura e ressarcimentos, ambos questionados, agora, pelo MP.Esse contraste se explica pelo Ato n.º 9 da Mesa Diretora do Senado, de 1995, que garante assistência médica plena a senadores, ex-senadores e suplentes que tenham exercido o mandato por ao menos seis meses. Para esse grupo e seus cônjuges e dependentes, a assistência é integral, gratuita e vitalícia. Não há limite anual de gastos, dentro ou fora do País.Exige-se prévia autorização do Serviço de Assistência Médica e Social do Senado (Sams), para consulta e internação, mas essa regra é flexível. O recorde de gastos ocorreu em 2007, quando um único parlamentar somou gastos familiares de mais de R$ 740 mil. Um senador conseguiu reembolso de R$ 78 mil em 2009 pela colocação de 22 coroas de porcelana na arcada dentária. A informação consta da ação civil pública impetrada pelo Ministério Público Federal no DF, que pediu mudanças no sistema de saúde do Senado e a sustação imediata de todos os pagamentos acima do limite de R$ 32 mil por segurado.O custeio no caso de senadores pode ser para qualquer procedimento: de cirurgias para rejuvenescimento até complicados procedimentos no exterior. A Consultoria Jurídica do Senado alega que o plano, longe de ser privilégio, visa garantir aos senadores "a mais completa e segura assistência possível, considerando-se o múnus público que exercem e a altíssima relevância de suas funções".'Salário indireto'. Empresas em geral participam do pagamento de planos de saúde pensando em preservar a produtividade e aumentar a motivação de seus funcionários. "É um salário indireto", afirma o professor de Economia da Saúde da Universidade Federal de São Paulo, Marcos Posi Ferraz. "Mas será justo aplicar recursos públicos no custeio de despesas médicas de pessoas eleitas para legislar para todos e não apenas em causa própria?", indaga.O deputado Antônio Reguffe (PDT-DF) é o único caso conhecido de parlamentar que abriu mão de auxílio-moradia, aposentadoria especial - optou pelo INSS - e plano de saúde. "Não vejo porque um parlamentar deva ter privilégios especiais em relação aos cidadãos que ele representa."No STF, o sistema é administrado por uma secretaria dentro da própria Corte e supervisionado por um conselho presidido por um ministro. O valor da mensalidade é de acordo com a faixa etária, variando de R$ 36,08 a R$ 211,49. Os mais idosos e com maior salário pagam mais. Quando utilizam a rede credenciada ou conveniada, os beneficiários têm de contribuir com um porcentual, que varia de 10% (internações) a 20% (consultas, exames e cirurgias). No caso de tratamento dentário, a contrapartida sobe para até 50%.Na Câmara há limites. Métodos experimentais de tratamento, aparelhos e cirurgias estéticas não são cobertos. O mesmo ocorre com cirurgias fora do País. Aqui, no entanto, começam as exceções. A proibição existe, mas o conselho diretor pode autorizar a cirurgia, desde que haja o aval do departamento médico. A mesma lógica se aplica ao ressarcimento.

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