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Relatório traz perfil de perseguido na ditadura

Documento da Comissão Estadual da Verdade do Rio analisou universo de vítimas do regime militar que pediram reparação à Comissão de Anistia

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Por Fabio Grellet
Atualização:
Damous destaca que maior volume de perseguições ocorreu de 1964 a 1967 Foto: Marcos de Paula/Estadão

A Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro divulgou nesta sexta-feira, 24, relatório com estatísticas sobre o perfil das vítimas de perseguições políticas entre 1946 e 1988 no Estado. O universo analisado foram as pessoas que, pessoalmente ou por meio de representante, pediram reparação à Comissão de Anistia, órgão federal criado em 2001 e subordinado ao Ministério da Justiça. 

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“O maior número de perseguições foi registrado entre 1964 e 1967. Isso mostra que os trabalhadores já sofriam forte repressão desde o início”, disse o presidente da comissão, Wadih Damous. 

Dos 73 mil requerimentos apresentados à Comissão de Anistia, 10.559 diziam respeito ao Estado do Rio. Mas, quando os dados ficaram à disposição da comissão, apenas 986 haviam sido analisados por completo. Desses, a comissão selecionou 69 casos, para uma pesquisa qualitativa. 

A maioria das vítimas de perseguições políticas era homem, não nascida no Rio e foi perseguida pela primeira vez quando tinham entre 26 e 30 anos. Outros 26% tinham de 31 a 40 anos. Em 17% dos casos, as vítimas tinham entre 18 e 25 anos ou de 41 a 60 anos. 

O período com maior incidência de casos foram os quatro primeiros anos da ditadura, de 1964 a 1967: 42% das perseguições. De 1968 a 1973 foram 28% dos casos;, 10% ocorreram entre 1974 e 1978; e 8% de 1979 a 1988. Entre as vítimas, 48% eram nascidas no Rio; 10% eram mineiras; 6% paulistas; e 6% pernambucanas. 

Os profissionais mais atingidos foram servidores públicos (10%), seguidos por jornalistas (8%) e professores (5%). A maioria mantinha intensa atividade social, militando em partidos, grupos políticos ou sindicatos. 

Em média, cada vítima foi alvo de dois tipos de perseguição. O mais comum foi demissão (24%), seguido por prisão (17%), inquérito policial militar (14%), processo penal militar (10%), monitoramento (10%) e tortura (5%). Os anistiados nem sempre ficavam presos em cadeias comuns. Um dos lugares utilizados como prisão no Estado do Rio foi o ginásio Caio Martins, em Niterói. 

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Os casos de tortura relatados nesses 69 pedidos de anistia se assemelham àqueles já divulgados desde o início dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade e das comissões estaduais. Uma paulista que trabalhava numa agência carioca do Banco do Brasil e era militante do Partido Operário Revolucionário Trotskista (PORT) foi presa pelo Departamento de Ordem Política e Social (Dops) de Brasília em maio de 1970 por “aliciamento de pessoas para a prática de subversão e tentativa de reorganização da federação dos estudantes da UnB”. Submetida a sessões de tortura em Brasília com choques elétricos, chegou a ser atendida no Hospital de Base da capital. 

Uma vítima foi torturada de julho a setembro de 1973 na sede do DOI-CODI na rua Barão de Mesquita, na Tijuca, na zona norte, e no Centro de Informações da Aeronáutica (Cisa). Ela descreveu ter sofrido espancamentos e abusos sexuais e ter sido submetida a choques elétricos e às práticas da “geladeira” e da “sala de som amplificada”. 

Durante as sessões de tortura, recorda que “um médico, descrito como de cor branca, cabelos castanhos bem claros, quase louros, anelados, idade aproximada de 40 anos, olhos claros (azuis ou verdes), sem óculos e outras características notáveis, lhe aplicava injeções por diversas vezes, pois o seu estado de saúde era bastante precário”. 

A maioria das vítimas sofreu perseguições prolongadas. Um desses casos é de uma mulher presa três vezes, monitorada, demitida, acusada formalmente de crime, teve sua casa invadida, foi torturada e, quando libertada, decidiu se exilar, passando por sete países. Uma das ordens de prisão preventiva contra ela não foi publicada no Diário Oficial, mas pelo Jornal do Brasil.

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