'Quem tem a perder mais nesse caso é a Itália'

Procurador que atuou na repatriação de Cacciola, em 2008, não acredita em retaliação dos italianos por conta do caso Battisti

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Por Fausto Macedo
Atualização:

"Não imagino que a Itália queira retaliar por causa do episódio Cesare Battisti. Quem tem a perder mais é a Itália", avalia o procurador regional da República no Rio, Artur Gueiros, sobre a fuga para a Itália do ex-diretor de marketing do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato, condenado a 12 anos e 7 meses no processo do mensalão.

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Com larga experiência em procedimentos de extradição, Artur Gueiros, também professor de direito penal, atuou decisivamente na repatriação do banqueiro Salvatore Alberto Cacciola, em 2008, condenado no Brasil por crime contra o sistema financeiro.

O que o Brasil pode fazer?O Brasil deve primeiro confirmar se ele (Pizzolato) está na Itália e, pelos canais diplomáticos, tem que enviar imediatamente documentos e provas do processo (ação penal 470) para que seja lá também julgado e condenado. A questão toda, como ocorreu no caso Cacciola, é que o tratado Brasil/Itália tem uma cláusula, artigo 6.º, que transforma a extradição em facultativa. No âmbito europeu, a Itália concede extradição. No episódio Cacciola, a Itália disse que até daria (a extradição), se o Brasil prometesse reciprocidade. Na época, os italianos estavam de olho em alguns mafiosos que se haviam naturalizado brasileiros.

Qual a saída?Com esse precedente, a se confirmar o fato de (Pizzolato) estar foragido na Itália, o pedido de extradição certamente será infrutífero. Entretanto, o mesmo artigo 6.º do tratado prevê que, nessa situação de não concessão da extradição, o Estado interessado, no caso o Brasil, deve fornecer as peças processuais para que lá na Itália seja realizado um novo julgamento. Se não dá extradição, julga novamente. A pessoa não pode gozar de impunidade, esse é o princípio. (A fuga) é uma afronta a toda a sociedade brasileira.

A Justiça italiana pode condenar Pizzolato com base em provas produzidas no Brasil?Com provas fartas (da ação penal 470), o julgamento deve resultar eventualmente até em uma pena maior do que a aplicada aqui. O caminho é longo, mas o Brasil não pode deixar de pedir à Itália que julgue e condene (Pizzolato) que, de maneira reprovável, fugiu. O governo brasileiro tem obrigação moral de enviar para a Itália as peças do processo para que (Pizzolato) seja lá julgado. Ninguém pode passar um recibo para a sociedade brasileira de que fugiu e ficou impune. As provas aqui podem ser suficientes para que ele (Pizzolato) seja enquadrado no Código Penal italiano por corrupção passiva e outros crimes que pesam contra ele. Ainda assim, mesmo condenado lá não quer dizer que automaticamente será extraditado.

O episódio Cesare Battisti pode travar eventual cooperação?Alguns podem entender assim, mas eu acho isso muito relativo. Brasil e Itália têm uma longa tradição de cooperação penal. A Itália deve muito mais ao Brasil do que o Brasil para a Itália. A quantidade de pedido deles para nós é muito maior do que de nós para eles. Não imagino que a Itália queira retaliar, por causa do caso Battisti. Quem tem a perder mais é a Itália.

A entrega de passaporte é medida ineficaz para impedir a fuga do réu?A entrega de passaportes não impede fuga de ninguém em um país com as nossas características, com as dimensões das nossas fronteiras. É medida simbólica, a lei prevê como medida cautelar para não decretar a prisão preventiva. Reter o passaporte é uma providência legal, mas sabemos que na prática ela é pouco eficaz. A pessoa pode cruzar qualquer fronteira, seja por mar, seja por terra, e consumar sua fuga, de alguma maneira clandestina.

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O que podia ter sido feito para evitar a fuga?O que é preocupante é que em 2012 ele passou longos meses na Itália e as autoridades brasileiras não atinaram para essa previsível fuga. O Ministério Público Federal deve tomar a iniciativa nessa questão. Não deve deixar as coisas simplesmente ficarem dessa maneira.

 

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