‘Partidos perderam a liderança social’, diz filósofo

Professor da Unicamp aponta descrédito no voto como resultado da ‘queda cada vez mais célere da confiabilidade nas instituições de Estado'

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Por Adriana Ferraz e Paulo Beraldo
Atualização:

Na opinião de Roberto Romano, professor de Ética e Filosofia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o País vive “uma espécie de liquefação dos partidos políticos”, o que se “reflete na incerteza do voto”. “Eles (os partidos) perderam o caráter de liderança social, política e institucional.” Segundo o filósofo, neste cenário de alienação do voto, são “as mulheres que sentem mais o peso da crise econômica, da crise política e da crise de segurança”. Leia os principais trechos da entrevista ao Estado

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O que explica a expectativa de aumento nos votos brancos e nulos? Esse aumento exponencial dos indecisos tem a ver com a queda cada vez mais célere da confiabilidade nas instituições de Estado e nos partidos políticos. Temos uma espécie de liquefação dos partidos políticos. Eles perderam o caráter de liderança social, política e institucional. Isso se reflete na incerteza do voto. Não há um programa de governo coerente, um programa de modificação do Estado ou de melhoria da sociedade. O que há é a guerra pelo voto em prol do voto. 

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Como esse cenário afeta o processo eleitoral? 

Serve para encobrir essa ausência programática e doutrinária. Temos uma espécie de Fla x Flu delineado para enganar justamente os que são mais politizados. De um lado, a extrema direita, representada pelo Jair Bolsonaro, e a esquerda, liderada por (Luiz Inácio) Lula (da Silva, condenado e preso pela Operação Lava Jato). Esse verniz ideológico vem para cobrir essa ausência de propostas ideológicas, programáticas e técnicas para os problemas brasileiros. 

Roberto Romano, professor de Ética e Filosofia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Foto: Amanda Perobelli/Estadão

O que explica a maior quantidade de mulheres optando por votar nulo, em branco e indecisas neste momento?  Quem sente mais o peso da crise econômica, da crise política e da crise de segurança são as mulheres. Quando você tem o caso daquelas que trabalham, elas dividem as preocupações com o salário, que não aumenta, com a inflação, que volta, com os preços, que sobem e também com o desemprego familiar.

É toda uma situação de incerteza no amanhã. As mulheres têm que se preocupar com várias pautas ao mesmo tempo, com a pauta do marido desempregado, dela própria desempregada, dos filhos, da recessão batendo, dos alimentos aumentando, dos serviços como água e luz subindo. E elas não encontram em nenhum dos candidatos um discurso que faça proposições sobre essa realidade do cotidiano.

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Elas encontram falas sobre a crise, sobre o déficit orçamentário, grandes falas e grandes temas, mas não há quem trate com acuidade e com capacidade comunicativa propostas para a população. Todos esses dramas são vividos de uma maneira pungente por essas mulheres. Dá para entender porque elas não estão confiando nas ações políticas, nos partidos e nas instituições. 

É possível reduzir ou quebrar esse ciclo de corrupção? 

É preciso questionar a estrutura do Estado brasileiro supercentralizado no Executivo federal, essa falta de isonomia dos poderes e a perda de capacidade de retorno dos impostos para os municípios. E aí nasce uma grande fonte de corrupção. Quando o presidente assume o poder, para se manter ele precisa criar uma base, que cobra o retorno de impostos para os municípios sob forma de emendas parlamentares.

Em uma verdadeira federação, os impostos devem sair do município, ir para o Estado e para o poder central, para depois retornar. Isso é o que não existe no Brasil. É preciso acabar com essa fábrica dos intermediários e essa política do 'é dando que se recebe'. 

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