Paparicando

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Por Dora Kramer
Atualização:

O prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, vem dando vigorosas contribuições àquele modo de fazer política ao qual se dá o nome de politicagem.Primeiro, cansou de ser oposicionista aguerrido, virou governista mais ou menos assumido e escapuliu de um partido porque o barco fez água. Depois, criou outro ao molde de uma associação recreativa propositadamente desprovida de doutrina a fim de propiciar abrigo a quem se interessar independentemente dos critérios de ações e pensamento.Em seguida, pôs a legenda a serviço de todos os governadores, acertou-se com uma quantidade substancial de prefeitos, conquistou fornida bancada na Câmara dos Deputados e na eleição da cidade que administra acende uma vela a cada uma das forças políticas tradicionalmente adversárias.Ou seja, topa qualquer parada, desde que vantajosa. Há quem veja nisso uma grande esperteza e reserve desde já um lugar para Kassab no panteão dos grandes feiticeiros políticos de nossa História.Assim como há quem veja no projeto de lei que enviou à Câmara Municipal propondo a doação de 4,4 mil metros quadrados de terreno no centro da cidade ao Instituto Lula, um lance de alta envergadura.O prefeito mesmo define seu gesto como um ato de "gratidão" para com o ex-presidente e de grande generosidade para com a coletividade, pois, segundo ele, a construção vai valorizar sobremaneira a região da Nova Luz, hoje degradada pela cracolândia.Francamente, não é uma coisa nem outra. Gilberto Kassab simplesmente lança mão de um patrimônio público, tira proveito da cadeira onde senta e da caneta que empunha, para paparicar Lula e o PT com quem quer se aliar na eleição que se avizinha.Alguma diferença entre o que faz o prefeito e o que fizeram ministros (alguns) obrigados a deixar seus cargos porque usaram dinheiro público ou se valeram da condição de ocupante de cargo público para obter benefícios próprios e/ou partidários?Na essência, nenhuma diferença. Ah, trata-se de uma lei que ainda precisa ser aprovada pelos vereadores? Ora, Kassab controla a Câmara. À exceção da bancada do PT, todos votam com o prefeito.Aliás, será interessante observar se os vereadores petistas desta vez deixarão de lado a sistemática de votar sempre contra Kassab para aprovar a lei da bajulação. E os do PSDB, como se comportarão?Se não quiserem abrir mão de agradar ao prefeito, terão de arranjar alegação diferente da que circula por aí dando conta do benefício que a instalação do Instituto Fernando Henrique Cardoso levou a outra área do centro da cidade de São Paulo.FH não ganhou nada do Estado, comprou as instalações da massa falida do Automóvel Clube. A comparação correta é com o Maranhão de José Sarney.Se aprovada a lei e aceita a doação, Lula e Sarney estarão ainda mais unidos: aí na condição de ex-presidentes donos de memoriais instalados em espaços de propriedade pública.Gilberto Kassab tem o direito de adular quem quiser, de se aliar a quem bem entender e de atuar na política como achar melhor. Só não pode esperar unanimidade acrítica. Mas, sobretudo, não pode dar seguimento a seus projetos a custa do patrimônio de todos os cidadãos que não têm nada a ver com as conveniências político-eleitorais partidárias do prefeito de São Paulo.Se a ideia é conquistar o eleitorado do PT, corre o risco de se enganar e ainda perder o apoio do paulistano que o elegeu, aquele mais afeiçoado aos tucanos conjugado com a parcela egressa do malufismo.Quanto ao partido, este não veio ao mundo para dividir poder. Se Kassab pensa que com meia dúzia de gentilezas faz o PT se desviar um milímetro de seus planos hegemônicos, basta um telefonema ao PMDB para saber como funciona a coisa.Conjunto da obra. Note-se que Mário Negromonte saiu do Ministério das Cidades depois de longa agonia, mas, sobre a razão explícita e específica de sua demissão, o governo não deu palavras. Deixou que apenas vicejassem versões.

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