Odorico e a natureza das provas

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Por Redação
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Análise: José Garcez GhirardiOdorico fazia e desfazia em Sucupira. Mandava empastelar o jornal oposicionista, não pagava o salário de Chico Moleza e, com dinheiro público, contratava como delegado um notório assassino, tudo na esperança de inaugurar o cemitério, legado que sintetizava sua ideia de progresso. Quando os desmandos passavam do ponto, não era ele quem sofria as consequências, mas seu assessor e notório pau-mandado, Dirceu Borboleta.Dias Gomes nos ajuda a entender uma questão jurídica de enorme importância para os regimes democráticos: a natureza das provas nas ações penais. Boa parte das divergências sobre a Ação Penal 470 centra nesse ponto. Países que, como o Brasil, viveram episódios trágicos de tribunais de exceção, abraçam, corretamente, a ideia de que, na dúvida, o juiz deve acolher sempre a interpretação mais benéfica aos réus. Condenar um inocente é a falência dos sistemas jurídicos democráticos.Isto não significa, contudo, que todos os delitos produzam provas de igual natureza, nem que haja um modo único de se estabelecer a conexão entre ilícito e autoria. A ministra Rosa Weber, por exemplo, já observou que "nos chamados delitos de poder, quanto maior o poder ostentado pelo criminoso, maior a facilidade de esconder o ilícito". O poder é, justamente, a capacidade de fazer com que outros atuem segundo se deseja. Assim, ilícitos praticados por meio da influência sobre terceiros tendem a deixar vestígios materiais em relação a quem age, mas não a quem manda. Daí a necessidade de refletir com cuidado sobre a ideia de prova. Deixar triunfar os que burlam as leis é também um fracasso da justiça e solapa a crença nas instituições, pois invalida o princípio de que ninguém está acima da lei.Por isso, a tarefa dos ministros é delicadíssima, sobretudo no momento em que aparecem como réus figuras que detinham enorme autoridade. Eles precisam balancear o respeito ao devido processo legal e a obrigação de não permitir que ilícitos deixem de ser punidos. "Juiz patifento. Sempre desconfiei desse juiz", diz Odorico ao ver seu poder de mando ser limitado pela força da lei.A clareza dos ministros sobre como entendem as provas nesse estágio do processo é essencial para que os brasileiros possam debater o julgamento e acolher as decisões com mais serenidade que Odorico.

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