O Rio Pequeno é a pequena São Paulo

Zona eleitoral é microcosmo social e eleitoral: em todas as disputas desde 2002, candidatos tiveram lá desempenho quase igual ao obtido na cidade como um todo

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Por Daniel Bramatti
Atualização:

Existe uma espécie de pequena São Paulo no extremo oeste da cidade. A zona eleitoral do Rio Pequeno reproduz em suas fronteiras, quase nas mesmas proporções, as divisões de raça, idade e renda dos moradores da cidade. É um microcosmo social - e, por isso mesmo, também eleitoral. Ao espelhar o perfil social de São Paulo, o Rio Pequeno virou palco de um fenômeno. Em todas as eleições realizadas nos últimos dez anos, os candidatos - vencedores e derrotados - tiveram votação quase idêntica na região e na cidade como um todo. A diferença máxima nos resultados foi de dois pontos porcentuais - índice inferior ao da maioria das pesquisas eleitorais. Na última disputa pela Prefeitura, no primeiro turno, o tucano José Serra teve 31% dos votos na cidade e 32% no Rio Pequeno. O petista Fernando Haddad conquistou 29% e 28%, respectivamente. Celso Russomanno (PRB) teve 22% nos dois locais. No caso de Gabriel Chalita (PMDB), a diferença foi de 1 ponto porcentual (14% e 13%). No segundo turno, não foi muito diferente: Haddad teve 56% e 54%, e Serra, 44% e 46% (veja quadro acima). O caso do Rio Pequeno é único. Das 58 zonas eleitorais de São Paulo, outras quatro tiveram resultados próximos ao da média da cidade neste ano (diferença de até dois pontos porcentuais), mas o mesmo não ocorreu em eleições passadas.

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Correlações. O Estadão Dados detectou o fenômeno da "pequena São Paulo" ao buscar, entre todas as zonas eleitorais da cidade, aquela com o perfil social mais parecido com o da média da cidade. O objetivo era testar uma hipótese: como há correlação entre voto e indicadores de renda, idade e raça, um microcosmo social da cidade reproduziria, em menor escala, suas tendências eleitorais? A resposta é sim, não apenas em disputas municipais. Candidatos ao governo e à Presidência poderiam ter projetado seu desempenho na capital se tivessem feito pesquisas apenas no Rio Pequeno. No segundo turno de 2002, por exemplo, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) teve 51% dos votos na região e na cidade. Serra ficou com 49%.

Na análise do Estadão Dados, que levou em conta um mapeamento social e eleitoral de São Paulo feito pelo Ibope, a zona 374 (Rio Pequeno) se destacou por ter exatamente a mesma composição etária do total dos paulistanos - 22% com até 15 anos, 8% com 65 anos ou mais e o restante na faixa intermediária. As proporções de moradores brancos e negros também são idênticas.

Se o "mix" etário e racial dos bairros pende para um lado ou para o outro, isso influencia o resultado das urnas. Em 2012, como em eleições anteriores, os habitantes de São Paulo se dividiram de acordo com padrões geográficos e sociais: o centro rico votou de um jeito, a periferia pobre de outro. O PT foi melhor onde a renda é mais baixa, onde a população é mais jovem e onde a proporção de pretos e pardos é maior. Com o PSDB aconteceu o inverso.

Diversidade.

No interior do próprio Rio Pequeno essas correlações também puderam ser observadas. Lá, Haddad teve vitória folgada nas urnas instaladas no CEU Uirapuru (72% a 28% no segundo turno), no Jardim Paulo VI. Não poderia ser um lugar mais periférico: está a cerca de 500 metros da fronteira com Taboão da Serra, um dos municípios vizinhos. As ruas estreitas dos arredores, quase sem árvores e comércio, abrigam casas geminadas e sobrados com renda média inferior a R$ 2.000 - na cidade, a média por domicílio é o dobro desse valor. A proporção de pretos e pardos chega a 57%. O perfil dos moradores se assemelha ao de Parelheiros, reduto petista na zona sul paulistana.

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No outro lado do Rio Pequeno, perto da Cidade Universitária, houve outra "goleada" de 72% a 28% nas urnas instaladas na escola General Euclides Figueiredo - desta vez, com Serra na frente. As ruas próximas, na Vila São Francisco, são arborizadas e abrigam moradias de classe média e alto padrão, algumas em condomínios fechados. Um campo de golfe marca a paisagem. A renda média por domicílio supera os R$ 9 mil, e a proporção de moradores pretos e pardos é de apenas 9%. O perfil se assemelha aos dos Jardins - local onde Serra teve sua maior votação em 2012.

Mapeamento.

O fato de existir um microcosmo de São Paulo não passou despercebido pelo PT. "Quando a gente sente que vai ganhar aqui na região, é sinal de que a eleição está ganha", disse Paulo Cesar Petronilho, presidente do diretório zonal do Rio Pequeno. Segundo ele, o fenômeno ocorre desde a eleição da petista Luiza Erundina, em 1988.

Petronilho também vê a região como um resumo de São Paulo. "Temos áreas de perfil muito diferente, ricas para o lado do centro e pobres na periferia. Até em termos administrativos há diversidade, pois parte da zona eleitoral fica na Subprefeitura da Lapa e parte na do Butantã."

No PSDB, as informações sobre o Rio Pequeno foram recebidas com surpresa. Responsável pelo acompanhamento estatístico do desempenho do PSDB, o secretário-geral do diretório estadual do partido, César Gontijo, costuma focar mais sua atenção no que ocorre em diferentes cidades do Estado, e não em zonas específicas da capital.

Para ele, o fato de o PT ter vencido com larga margem nas áreas mais pobres - do Rio Pequeno e da cidade - é uma decorrência da má avaliação da gestão do prefeito Gilberto Kassab, aliado de Serra na eleição. "Quanto mais carentes as pessoas, mais elas são dependentes dos serviços da prefeitura", considera.

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