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O que esperar do próximo prefeito?

Seis eleitores com características que representam alguns dos principais perfis de moradores de SP contam o que desejam para a cidade

Por Bruno Ribeiro
Atualização:

O que os cerca de 9 milhões de paulistanos aptos a votar neste domingo, 14, esperam do prefeito? Com base em dados de secretarias, órgãos oficiais e do Mapa da Desigualdade, da Rede Nossa São Paulo, o Estadão procurou eleitores que simbolizam alguns dos perfis mais comuns da cidade para responder a essa pergunta.

Do total da população, 53% são mulheres e, de cada dez paulistanos, três moram na zona leste, três são residentes da zona sul e os quatro restantes se dividem entre o centro e as zonas norte e oeste, segundo informações da Prefeitura.

Da esquerda para a direita, Jairo Quintino, Gildeci Rodrigues, Rafael Muniz, Dharlen Bernando e Lygia Rocco Foto: Werther Santana / Estadão

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Em bairros como Lapa ou Perdizes, na zona oeste, até 16% da população é preta ou parda. No Jaraguá, em Pirituba ou em Perus, na zona norte, esse porcentual chega a 60%, segundo o Mapa da Desigualdade, ferramenta que reúne dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e outras fontes públicas, apresentada anualmente pela Rede Nossa São Paulo e a Plataforma Cidades Sustentáveis. Nas subprefeituras dos extremos norte e sul, até 50,5% da população tem até 29 anos. Em bairros como Pinheiros (zona oeste) e Higienópolis (centro), ao menos 70% da população é mais velha do que isso.

Ao serem questionadas sobre prioridades e desafios para o prefeito, praticamente todas as pessoas abordadas pela reportagem responderam de bate-pronto “saúde e educação”. O consenso não depende de o entrevistado ser um homem branco com educação superior que vive em uma área repleta de infraestrutura ou uma mulher negra com ensino fundamental incompleto moradora de um bairro carente.

Outros problemas da cidade surgiram no decorrer das entrevistas. Reclamações sobre problemas mais locais, como bueiros que não escorrem as águas como deveriam, a lotação nas linhas de ônibus municipais ou mesmo aflições com relação aos rumos da política.

Nem todos disseram estar acompanhando a eleição na cidade e alguns ainda não haviam escolhido os candidatos quando foram entrevistados.

Abaixo, há retratos de alguns dos perfis mais comuns de moradores de São Paulo, levantados com base em dados públicos, mas sem rigor estatístico, em relatos feitos à reportagem sobre as expectativas em relação ao prefeito que comandará a cidade a partir de 2021.

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‘O prefeito tem de cuidar da educação’

Jairo Quintino, 19 anos,vendedor ambulante, zona norte

O vendedor ambulante Jairo Quintino, de 19 anos Foto: Werther Santana / Estadão

“Vou votar pela primeira vez neste ano. Ainda não escolhi em quem. Não assisto à TV, não acompanho, porque eu saio cedo para vender balas no farol. O que sei é que todos eles fazem muitas promessas e não cumprem depois, não estão nem aí para a periferia. A escola (onde voto) fica lá no meu bairro mesmo, no Jardim Paquetá. Eu estava na escola até o ano passado, fiz até o segundo ano (do ensino médio). Falta o terceiro, mas eu parei. Teve a pandemia e eu parei de estudar. O que eu acho que o próximo prefeito deveria fazer é cuidar mais da educação. Lá na escola (do bairro), cada um fazia o que queria, ninguém estudava. As portas eram quebradas, tudo largado, ninguém aprendia nada. Aí veio a pandemia e eu comecei a vender as balas aqui no farol. Mas eu gosto de ir para a escola, gostava de estudar, aprender. Meu pai fala para estudar. Vivo com ele. Sou o mais novo, são seis irmãs e eu. Lá em casa, todo mundo terminou (o ensino médio). Só eu que não. Estudar é bom porque é com estudo que você arruma uma profissão, tem um emprego bom, pode ter uma vida boa. Para mim, um emprego bom é ser bombeiro. É o que eu queria ser: bombeiro. Eu sei que para isso tem de voltar a estudar.”

Evasão escolarcresce na epidemia

Segundo a Secretaria Estadual da Educação, meio milhão de estudantes deixaram de fazer atividades neste ano de pandemia. Quintino vive em um bairro onde 10% da população mora em favelas e até 1,5% dos alunos do ensino fundamental está fora da escola, índice maior do que a média – 0,9%.

‘A saúde não tem nenhum investimento’

Gildeci Rodrigues, 33 anos, aluna de enfermagem, zona leste

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Gildeci Rodrigues, de 33 anos, é aluna de enfermagem Foto: Werther Santana / Estadão

“Educação e saúde são as duas coisas mais importantes que eu espero que o próximo prefeito cuide. A saúde, principalmente. Estudo enfermagem, faço estágio na Beneficência Portuguesa. Fiz estágio no SUS, no CAPS (Centro de Atenção Psicossocial). Moro em Artur Alvim (zona Leste) e trabalho à noite, no estágio. A gente percebe que não tem tanto investimento. Aliás, não tem investimento nenhum, na verdade, na saúde. As pessoas ficam ao Deus dará. Eles (os políticos) poderiam investir mais. Eu uso o SUS para tomar vacina. Minha mãe teve câncer e ela fez a maioria dos tratamentos no SUS. Os exames demoram muito e ela não fez. Se eu não tivesse condições de pagar os exames particulares, a tomografia e a ressonância, talvez ela não conseguisse fazer cirurgia a tempo. Demora quase um ano para você agendar (um exame). Ela já tinha feito o tratamento todo quando eles ligaram para fazer a ressonância (no SUS). Se fosse esperar, ela teria morrido. Mas acho que depende um pouco também da população cobrar o prefeito. É também porque a população não cobra que acontecem tantos roubos. Eles (candidatos) falam das propostas, ganham as eleições, não cumprem, mas a população não cobra.”

Mães morrem mais na periferia

Gildeci mora em Artur Alvim, bairro da zona leste onde até 106,1 mães morrem por causas maternas para cada 100 mil nascimentos, segundo o Mapa da Desigualdade. É o maior índice da cidade. Nessa região, a proporção da população preta ou parda é de 37,1%, índice maior que o da média da cidade.

‘A cidade tem desigualdade entre bairros’

Rafael Muniz, 38 anos,assistente social da zona leste

O assistente social Rafael Muniz, de 38 anos Foto: Werther Santana / Estadão

“Às vezes, o prefeito até tem vontade de fazer as coisas, mas não depende só dele. Eu já escolhi meu candidato. Tem pessoas que pensam que, só de (o político) não estar roubando, está bom. Mas tem muita coisa que precisa ser feita. Escola, mais creches. Uma coisa que precisa melhorar muito é o transporte. As pessoas ficam quatro horas por dia no transporte. A cidade é muito desigual, são mundos diferentes. Aqui onde estamos (Pinheiros, zona oeste), tem tudo. Tudo funciona, tudo é bom. Se você vai para a periferia, não é assim. Tenho uma conhecida que ficou quase três anos esperando para fazer um exame de mamografia. Você pode reparar até que o preço do prato feito é mais barato nos bairros e é diferente de um para outro. Em um (lugar) é R$ 28, em outro é R$ 22. As diferenças mudam o custo de vida. E na periferia o ritmo é diferente por causa da desigualdade. Se você for em um bairro da periferia, o bairro começa mais cedo, as ruas ficam cheias de gente logo cedo. Elas acordam mais cedo porque têm de sair de lá, pegar o transporte e ir para os outros bairros. Têm uma vida mais difícil. Então, um problema que a cidade tem é a desigualdade entre os bairros da periferia e os bairros do centro.”

Nascidos na capital são maioria

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Cerca de 8% dos moradores de São Paulo têm a idade de Muniz. Segundo a última Pesquisa por Amostra de Domicílios (PNAD), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), assim como ele, 55% dos habitantes da cidade são pessoas que nasceram no município de São Paulo.

‘As pessoas precisam de auxílio’

Dharlen Bernando, 31 anos,locutora da zona sul

Dharlen Bernando, de 31 anos, é locutora Foto: Werther Santana / Estadão

“Sou locutora e trabalhei 12 anos no comércio, com contratos por loja. Já trabalhei nas maiores redes. Estava em uma loja que fechou, e foi por causa da pandemia, sem clientes. Aí, fui trabalhar em uma peixaria, não podia ficar parada. Mas era algo que eu não sabia fazer, não tinha jeito. Então, não deu certo. Eu comecei a vender doces por conta, na rua. Tenho três filhos, e preciso trabalhar para pagar a vizinha que cuida deles. Era R$ 600, mas depois de conversar ficou por R$ 200. Eles têm 1, 2 e 5 anos. Todos tinham vaga em creche, mas agora estão com a creche fechada. Consegui o cartão alimentação para eles. Mas um (cartão) depositou em um mês e outro depositou em outro. Circulo por vários lugares diferentes, não só no centro. Posso trabalhar no máximo quatro horas por dia na rua porque tenho de voltar para pegar meus filhos. Isso sem contar uma hora e meia para ir e uma hora e meia para voltar (para casa). Na pandemia, tentei buscar o auxílio emergencial. Mas não consegui. Acho que o próximo prefeito deveria dar auxílio para as pessoas, mas devia dar com mais fiscalização. Acho que tem muita gente que não precisava receber auxílio e ganhou, enquanto eu, que precisava, não consegui.”

Cidade concentra desempregados

Só a cidade de São Paulo tinha 937 mil pessoas desempregadas no primeiro semestre deste ano, segundo os dados mais recentes da Pnad. Significa dizer que, de cada 3 desempregados no Estado, 1 é habitante do município. Os índices de desemprego ficaram mais altos com a pandemia.

‘Não dá para escolher uma só prioridade’

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Lygia Rocco, 55 anos, arquiteta e historiadora da região central

Lygia Rocco, de 55 anos, é arquiteta e historiadora da região central Foto: Werther Santana / Estadão

“O que espero destas eleições é reverter esse quadro de subida da extrema direita e do neoliberalismo. Espero que comece a ter uma reflexão maior entre as bases da sociedade sobre esse assunto e que se retome também as conversas com as bases sociais. Hoje, vemos um projeto de privatização dos espaços urbanos, privatização da educação, dos recursos da saúde e da assistência social. E acho que essa situação deve ser revertida. Em relação às questões mais importantes da cidade, como a saúde e a educação, acho que a iniciativa privada não deve estar no meio. Na habitação, também não. É preciso mais habitação social na cidade. Então, não dá para escolher uma prioridade. Não dá para priorizar a saúde se você não prioriza a educação e não prioriza a habitação social. (O prefeito) tem de pensar de forma conjunta, ter uma visão mais holística, não dá para priorizar uma (área) em detrimento da outra. Se a gente não discutir essas coisas mais profundamente, não vai ter uma solução para os grandes problemas da cidade. As únicas coisas que surgiram a partir da discussão são a religião e a política. A religião cresce a partir da discussão de dogmas, e a política é também uma construção da convivência.”

Escolaridade é maior no centro

Lygia tem duas faculdades e é pesquisadora em um pós-doutorado. Na região onde ela mora, distrito de Santa Cecília, no centro, 34% da população estudou 15 anos ou mais. É mais do que o dobro do índice da cidade como um todo, em que apenas 14% das pessoas passaram esse tempo na escola.

‘Mais agilidade no trabalho dassubprefeituras’

Paulo Cesar Micheli, 59 anos, bancário, morador da zona oeste

Paulo Cesar Micheli, de 59 anos, é bancário Foto: Werther Santana / Estadão

“Estou acompanhando as eleições e já escolhi meu candidato. Acho que o próximo prefeito deve cuidar da saúde, da educação e da área social. Mas acho que ele também precisa cuidar das subprefeituras nos bairros. Moro no Butantã (zona oeste), em um condomínio grande, com alguns prédios, e acho que ali, principalmente, a subprefeitura deveria ser mais ágil, mais ativa. Estamos com um problema já faz algum tempo e chegaram a fazer um dossiê que mandaram até para o gabinete do prefeito. Disseram que está até na mesa dele. Eles (os vizinhos) mandam mensagens, a gente tem foto, documentos, tudo. Precisa de mais atenção da Prefeitura para asfalto, calçamento, recapeamento. Até fizeram algumas coisas lá perto da (avenida) Eliseu (de Almeida). Mas é eleitoreiro. Na minha rua, o que aconteceu é que uma pessoa fez uma obra lá e terminou tapando duas valas, uma de cada lado, e a água não teve mais para onde escorrer. É uma de cada lado. Já reclamamos muito. Faz algum tempo, até foram lá. Foi uma equipe da Prefeitura, mas disseram que não mexiam com aquilo. Mas fizeram uma limpeza e até tiraram fotos. A gente falou para soltar a água na rua, sem ter para onde ela escoar, para aí fazer fotos (da área alagada). Ainda estamos esperando.”

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Quase 10% não têm rede de esgoto

A pesquisa Pnad, do IBGE, aponta que pouco mais de 90% dos domicílios da cidade têm ligação com rede de esgoto. Dados do Sistema Nacional de Informações Sobre Saneamento (SNIS) de 2015 (os mais recentes) apontam que 55% do esgoto coletado na capital não é tratado: vai direto para rios ou represas.

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