O maior partido, o lobby

Unindo políticos com interesses comuns, frentes parlamentares mandam mais que partidos

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Por Lisandra Paraguassu
Atualização:

BRASÍLIA - Quando um deputado ou senador presta contas à Justiça Eleitoral, ele dá uma pista segura de quais os interesses que tem no seu dia a dia no Congresso. Os representantes dos cidadãos chegam ao cargo, em muitos casos, já comprometidos com interesses corporativos, de grupos econômicos ou sociais. Na prática, trata-se de lobby - uma atividade comum e legal entre parlamentares de outros países. No Brasil, ele não é regulamentado em lei, mas atua à vontade já nas campanhas eleitorais.

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Uma ação pública e direta desses interesses é percebida nas frentes parlamentares - tanto as oficiais, que hoje somam 227, quanto as informais, como a Bancada Evangélica, que não existe no papel mas se empenha permanentemente em barrar projetos que desagradam a suas igrejas. Unidos pelos seus interesses, parlamentares apresentam projetos, derrubam ou alteram outros, transformando cada votação em uma batalha de poder.

Coordenador de uma das frentes mais fortes do Congresso, o deputado Luís Carlos Heinze (PP-RS) justifica a atuação da chamada Bancada Ruralista como uma forma de defesa de um setor que não teria a mesma força do governo federal e precisa se defender. "Nós entendemos que precisamos ter esse tipo de organização ou não vamos conseguir ter a força que precisamos para contrabalançar o Executivo", afirma o deputado. "Acho que é uma ação legítima. Nós trabalhamos para defender os produtores". Os interesses de Heinze estão claros na sua prestação de contas ao Tribunal Superior Eleitoral. Pelo menos metade dos recursos arrecadados são de empresas ligadas à atividade rural. Do restante, boa parte vem diretamente de produtores rurais.

A força mais recente da frente veio a público durante a aprovação do novo Código Florestal. A versão inicial que saiu do Congresso conseguiu incluir na lei boa parte das exigências dos ruralistas, inclusive uma ampla anistia aos desmatadores- depois vetada pela presidente Dilma Rousseff. "É uma pressão muito grande. Tivemos que trabalhar muito para tentar contrabalançar a bancada ruralista", conta o deputado Assis Couto (PT-PR), que na votação do código estava do lado oposto de Heinze.

O panorama é o mesmo em outros setores. Deputados da Frente Parlamentar do Mercado Imobiliário têm entre seus principais doadores incorporadoras e construtoras. Na Educação, muitos têm relação direta com faculdades particulares. E o mesmo perfil é encontrado em boa parte das frentes onde o interesse econômico é o principal - o que não é o caso da maior parte das 227 existentes hoje no Congresso.

Legislação. A pressão já ganha força nas contribuições de campanha, mas aparece com força, também, no dia a dia do Legislativo. Um estudo feito pelo cientista político Manoel Santos mostra que o cadastro na Câmara de grupos de interesse - o mais próximo existente hoje no Brasil de grupos de lobby oficiais - passou de 47 entre 1982 e 1984 para 179 entre 2011 e 2012. O problema é que, apesar desse cadastro, como não há uma lei que regularize esse sistema, não se sabe exatamente como agem esses grupos.

"Não existe uma legislação que delimite a atividade do lobby no Brasil e que determine o que cada grupo está fazendo, o que está gastando na defesa dos seus interesses", explica o cientista político Marcello Baird, da Universidade de São Paulo. "Uma legislação traria transparência. Seria possível saber quem está atuando, que interesses está defendendo e quanto está investindo."

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Vários projetos já surgiram tentando regulamentar o lobby. O mais adiantado, do deputado Carlos Zarattini (PT-SP), está há quatro anos parado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. "O projeto simplesmente dá transparência. Permite que o público saiba quem está agindo em defesa do quê", justifica o deputado. Este ano, depois de uma troca de relator, a proposta andou. Mas o próprio Zarattini não crê em uma votação antes da próxima legislatura.

A regulamentação dos lobbies, no entanto, não diminuiria a influência dos financiadores de campanha no Congresso. "O atual sistema, de certa forma, subverte os princípios da democracia, que é o da igualdade entre os cidadãos", adverte Baird. "Dá um acesso privilegiado a certos grupos que o cidadão comum não tem".

Tanto o cientista político quanto o deputado Zarattini defendem que a única forma de alterar essa correlação de forças é a implementação do financiamento público de campanha ou, pelo menos, do fim de doação de empresas para campanhas. O Superior Tribunal de Justiça está votando a inconstitucionalidade das doações de pessoas jurídicas. A decisão ainda não foi finalizada, mas já há votos suficientes para aprová-la.

OS GRANDES CACIQUES DO CONGRESSO

- Presidentes da Câmara e do Senado: São os dois cargos mais cobiçados das duas Casas. Eles decidem o que será colocado em votação.

- Presidente e relator da Comissão Mista de Orçamento: Controlam a inclusão de emendas ao Orçamento da União.

- Presidentes das comissões: Há 11 comissões no Senado e 22 na Câmara. Os projetos têm de passar por elas antes de ir a plenário. As mais importantes são as de Constituição e Justiça e a de Finanças e Tributação na Câmara.

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- Líder do governo: Há um líder do governo no Senado e outro na Câmara. Escolhidos pelo Planalto, negociam temas de interesse do presidente.

- Líderes de bancadas: São eleitos pelos colegas de partido para mandato de um ano, renovável. Cuidam de interesses dos partidos nas negociações.

- Relatorias: Todo projeto precisa de relator antes de ser apreciado. Os textos mais importantes são muito disputados pelo parlamentares.

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