No Nordeste, Bolsonaro pede votos em 'quem tenha Deus no coração' e repete lema do integralismo

No evento em Pernambuco, para inauguração de adutora, o presidente voltou a citar 'Deus, pátria e família'

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Foto do author Rodrigo Sampaio
Por Pedro Caramuru , Rodrigo Sampaio e Erbi Andrade
Atualização:

Em inauguração de uma adutora de abastecimento de água em São José do Egito (PE), o presidente Jair Bolsonaro pediu que os eleitores"caprichem para escolher prefeito e vereador" em novembro. "Vamos escolher gente que tenha Deus no coração, que tenha na alma o patriotismo e queira a liberdade e o bem do próximo", afirmou. E emendou o lema do integralismo: "Deus, pátria e família". Cerca de 300 pessoas estavam na plateia.

Não é a primeira vez que o presidente usa o lema do movimento surgido na década de 1930 no Brasil, influenciado pelo fascismo na Europa. Em junho deste ano, Bolsonaro publicou pelo Twitter foto ao lado do ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, usando o lema do movimento autoritário como legenda da imagem. O mote também chegou a ser usado como slogan do partido que Bolsonaro pretendia criar, Aliança pelo Brasil, porém a agremiação não ainda saiu do papel.

O presidente Jair Bolsonaro na cerimônia de inauguração de adutora em São José do Egito, em Pernambuco Foto: Isac Nobrega/PR

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Segundo o Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getulio Vargas (FGV), a Ação Integralista Brasileira (AIB) foi "o movimento de inspiração fascista mais importante organizado no Brasil". De acordo com a instituição, "a Ação Integralista nasceu numa fase de ascensão das ideias autoritárias de direita, a partir do marco político estabelecido pela Revolução de 1930, radicalizando em direção do discurso ideológico fascista as tendências antiliberais difundidas entre amplos setores políticos e intelectuais no contexto pós-revolucionário".

O presidente, que havia dito que não participaria das eleições municipais este ano, mudou de discurso na semana passada e afirmou que poderia declarar o voto em três cidades: São Paulo, Santos e Manaus.

Para o Odilon Caldeira Neto, professor de História Contemporânea na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e co-autor do livro "O fascismo em camisas verdes: do integralismo ao neointegralismo", o discurso de Bolsonaro não é necessariamente baseado em ideias integralistas, mas compartilha similaridades. 

"A forma como Bolsonaro faz uso da noção de 'Deus, pátria e família' não é a mesma que os integralistas queriam fazer. A dimensão religiosa no integralismo era sobretudo de um conservadorismo católico, não apenas cristão. No bolsonarismo, sabemos que há um conservadorismo evangélico", diz. 

"É justamente nesse discurso mais conservador que o princípio de interação se faz representar no governo Bolsonaro. A partir dessa dimensão mais conservadora, sobretudo pelo ministério da Damares, existe a atuação de grupos neo integralistas que são elogiosos ao integralismo histórico", completa. 

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O professor comenta, ainda, que apesar do movimento apresentar uma fragilidade de articulação política por apresentar um discurso anacrônico e antidemocrático, o grupo, assim como outros extremistas, auxiliam a enfatizar o processo de radicalização das direitas. 

"Enquanto os grupos neo integralistas estão articulados na marginalidade, quando não na ilegalidade, da extrema-direita, as ideias são partilhadas para além deles. É como se o integralismo não fosse mais propriedade absoluta dos grupos integralistas. Não à toa que o próprio lema 'Deus, pátria e família' hoje está espalhado na extrema-direita.Essa ideia de criminalizar partidos comunistas ou o que se entende por comunismo, naturalizar o processo de desumanização de oponentes políticos, são elementos caudatários do próprio fascismo histórico", diz. 

Defesa da cloroquina

No evento em Pernambuco, Bolsonaro voltou a defender o uso da hidroxicloroquina, medicamento sem comprovação da sua eficácia no tratamento contra a covid-19. "Deus foi tão abençoado que nos deu até a hidroxicloroquina para quem se acometer da doença, e quem não acreditou, engula agora", disse o presidente, durante o discurso.

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"Eu não sou médico, mas sou ousado como o cabra da peste nordestino", completou o presidente, que foi contaminado por covid-19, se recuperou e declarou ter usado o medicamento no tratamento da doença.

Bolsonaro afirmou também que, como chefe supremo das Forças Armadas, nunca abrirá mão da liberdade e democracia do País. O presidente disse que seu governo "tudo fará para todos no Brasil, mas, em especial, não esquecerá dos mais humildes". Segundo Bolsonaro, "quando chega a água ao nordestino, parece que ele ganhou na Mega-Sena".

O presidente e sua comitiva não usaram máscaras em nenhum momento da visita, quebrando os protocolos de segurança e recomendações das autoridades sanitárias. Ele causou aglomeração em pelo menos dois lugares diferentes: nos arredores do estádio de futebol, onde pousou sua aeronave, e no local do evento, onde por decreto municipal apenas 100 pessoas poderiam participar. A cerca de 1 km do estádio de futebol, um grupo de aproximadamente 60 pessoas fizeram manifestação contra a visita de Bolsonaro.

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Esta é a primeira visita do presidente a Pernambuco depois do início da pandemia. O governador Paulo Câmara, do PSB, partido de oposição ao presidente, não estava presente no evento. Segundo sua assessoria, ele não foi convidado. A região do Pajeú, onde está a cidade de São José do Egito, é um grande reduto do PSB. O prefeito do município, Evandro Valadares (PSB), recepcionou o presidente na sua chegada, mas também não participou da cerimônia por ser candidato à reeleição.

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