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'Nenhuma comissão tem essa bobagem de dois lados'

Trabalho do grupo, diz integrante, é esclarecer circunstâncias em que ocorreram as violações de direitos humanos

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Por Redação
Atualização:

Em todas as listas de possíveis nomes para compor a Comissão da Verdade, o que surgiu no início e resistiu até o fim foi o do diplomata Paulo Sérgio Pinheiro. Isso se deve, em primeiro lugar, à sua experiência. Como observador da ONU, já acompanhou o trabalho de comissões semelhantes em outros países. Em segundo lugar, foi valioso o trânsito político que ele tem no PT e no PSDB, partidos que sustentaram o projeto da comissão.

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Que papel terá a comissão?

O papel da comissão está definido na lei e não há nada a ser inventado. A lei diz que seu objetivo são as graves violações de direitos humanos, particularmente o esclarecimento das circunstâncias em que ocorreram. A lei também especifica com clareza os casos: tortura, morte, desaparecimento forçado, ocultação de cadáver e sua autoria, ainda que ocorridos no exterior.

Como vê os comentários de que a comissão é revanchista?

Vingança não tem lugar no diálogo democrático e essa história de revanchismo está encerrada. É bom lembrar que tivemos, em primeiro lugar, um projeto de lei. Depois, o presidente Lula o encaminhou ao Congresso. A Câmara e o Senado discutiram e aprovaram. E, finalmente, a presidenta sancionou e estabeleceu a comissão. Mais democrático é impossível.

Os fatos apurados podem desaguar na responsabilização judicial dos envolvidos?

Acompanho comissões da verdade desde a década de 1980 e sei que nenhuma delas teve papel de ministério público ou judicial. A comissão não acusa, não pronuncia nem julga, o que seria um despautério. A comissão seguirá o que está na lei e apresentará um relatório, ao fim de dois anos.

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Que destino terá o relatório?

Não temos nenhuma competência a esse respeito e não vou fazer previsões.

A comissão pode ressuscitar o debate sobre a Lei da Anistia?

A Lei da Anistia está mencionada na lei que cria a comissão. Ela é um fato concreto, existente na legislação brasileira, e a comissão não vai criar nenhuma polêmica em torno disso. Não está no nosso mandato.

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Os críticos da comissão dizem que ela deveria apurar também atos cometidos por grupos terroristas que se opunham à ditadura.

Como já disse, a moldura do trabalho da comissão é o que está na lei. E ali não há polêmica, controvérsia, vingança, nem dois lados. O único lado é o das vítimas, as pessoas que sofreram violações de direitos humanos. Onde houver registro de vítimas de violações praticadas por agentes do Estado a comissão irá atuar. Nenhuma comissão da verdade teve ou tem essa bobagem de dois lados, de representantes dos perpetradores dos crimes e das vítimas. Isso não existe. Você compõe uma comissão capaz de exercer o trabalho com objetividade e imparcialidade. Acho que todos os membros escolhidos para a comissão, os meus seis colegas, têm uma vida pública em torno desse compromisso com a verdade. Não vamos entrar nesse Fla-Flu de bater boca com críticos da comissão. Ela tem que praticar um obsequioso silêncio e trabalhar.

Daqui a dois anos, quando encerrar, qual será a grande contribuição da comissão ao Brasil?

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A contribuição mais importante será espanar os mitos, as lendas, as histórias enviesadas que ainda sobrevivem sobre períodos nos quais o Estado foi o principal perpetrador de violações de direitos humanos. Isso garantirá o direito à verdade que os familiares das vítimas têm e, ao mesmo tempo, permitirá ao Brasil o aprofundamento da democracia. Não se consolida nenhum processo democrático com verdades ocultas. É preciso devassar as verdades. Norberto Bobbio dizia que não há fator melhor para a democracia do que a claridade. Precisamos abrir os porões.

O relatório final pode ter efeito sobre os crimes de tortura que ainda ocorrem no Brasil?

Não tenho a menor dúvida. A cientista política americana Kathryn Sikkink acabou de publicar um livro no qual analisou todos os estados democráticos na América do Sul e mostrou o seguinte: aqueles que fizeram o percurso das comissões da verdade têm hoje melhores condições de coibir violações de direitos humanos, como execuções sumárias, torturas, abuso policial. Essa é uma contribuição para o melhor funcionamento do Estado. / ROLDÃO ARRUDA

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