Marco Aurélio Mello, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) que pôs fogo na celeuma em torno do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ao decidir liminarmente que a competência do órgão criado pela emenda 45 (Reforma do Judiciário) é subsidiária à atuação dos tribunais no julgamento de processos administrativos e disciplinares, cobra enfaticamente investigação criminal contra o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras). "Quebrar sigilo que você guarde em razão da função exercida, atendendo a pleito administrativo implica em violação ao Código Penal", argumenta o ministro, referindo-se a dados que o Coaf transmitiu ao CNJ sobre 217 mil servidores e juízes.
Mello falou sobre o CNJ, da atuação do Coaf e da sua liminar, que barrou a cruzada da ministra Eliana Calmon, corregedora nacional de Justiça.
O Coaf errou?
O Coaf não podia passar (os dados), quem passou perdeu o rumo constitucional. O ato é passível de processo crime. Os dados protegidos pelo sigilo só podem ser comunicados por ordem judicial. O Ministério Público deve requisitar investigação sobre essa conduta. Temos que coibir essa forma de procedimento e isso só se inibe afastando o sentimento de impunidade. O Coaf não podia ter passado para o CNJ os dados de 217 mil pessoas, é algo que merece excomunhão maior. A iniciativa foi do ministro Dipp (Gilson Dipp, antecessor de Eliana). Ele solicitou ao Coaf. Mas o Coaf não podia passar.
O ministro Cézar Peluso recebeu R$ 700 mil por atrasados e auxílio moradia. O que acha?
Todos nós recebemos esses atrasados, inclusive a própria corregedora (Calmon). Eu recebi já no Supremo e todos os ministros receberam, assim como os magistrados dos tribunais em geral, tribunais superiores e tribunais nos Estados. Não representa privilégio. Não sei quanto a corregedora recebeu, imagino que deve ter recebido mais ou menos isso que recebeu o ministro Peluso. Não acredito que ela (Eliana)tenha se recusado a receber.
Por que o sr. deu a liminar no último dia de atuação do STF?
Esse processo estava em pauta desde 5 de setembro. Eu não ia lavar as mãos e deixar para julgar em fevereiro. Posso pecar por ato comissivo, mas omissivo jamais. Não passa pela minha atuação judicante. Minha decisão busca conciliar valores. A tensão é natural. A atividade do CNJ é fiscalizadora no âmbito administrativo. Temos que conciliar o CNJ com a autonomia administrativa e financeira dos tribunais. É inconcebível que se tenha uma corregedoria substituindo 60 outras corregedorias de todo o País. Se a liminar for confirmada haverá consequências jurídicas. As críticas revelam visão apaixonada. Vivemos numa federação. Fui o único que votou pela inconstitucionalidade do CNJ. O Tribunal de Justiça representa o Poder Judiciário no Estado. Imagine um conselho criado para fiscalizar o Executivo ou um conselho para fiscalizar o Legislativo em todos os Estados. Ninguém quer esvaziar o CNJ. Mas não podemos presumir que todos sejam salafrários até prova em contrário. Isso não interessa à sociedade, a fragilização do Judiciário.
O CNJ está na mão errada?
A concentração de poderes é perniciosa, própria do regime totalitário. Quando se admite concentração de poderes estimula-se o excesso. Há riscos permanentes à Constituição, o nosso dever é preservar princípios definitivos da Carta. A regra é o sigilo. A exceção é o afastamento (do sigilo) por ordem judicial e, mesmo assim, para investigações ou instrução criminal, diante de caso concreto. Ninguém está contra o CNJ, só que o CNJ também tem de se submeter a balizas constitucionais. No âmbito administrativo nem o presidente da República pode quebrar sigilo. Quando o CNJ não observa regras a tendência é de ir de mal a pior. E o chicote muda de mãos.