Na 11ª eleição, Vera Lúcia transformou casa em comitê de campanha

Em meio à pandemia, candidata do PSTU cumpriu maior parte dos compromissos em lives e seminários na frente do computador

Por Túlio Kruse
Atualização:

A casa onde mora a candidata Vera Lúcia Salgado no bairro do Ipiranga, na zona sul de São Paulo, é onde a maior parte dos compromissos de campanha se cumpriram nos últimos meses. Sentada em frente ao computador e com o celular a tiracolo, Vera passou a maior parte do tempo na sala de estar, que se tornou comitê de campanha e cenário para lives, seminários online, entrevistas em vídeo e reuniões virtuais.

Foco nas agendas digitais foi tão grande que Vera atribui ao tempo excessivo em frente às telas uma consulta ao oftalmologista, no início de outubro, para ajustar o grau dos óculos Foto: Gabriela Biló/Estadão

PUBLICIDADE

Em meio à pandemia do novo coronavírus, ela compareceu a menos de dez eventos presenciais. A agenda na internet, por outro lado, teve de duas a três transmissões por dia. Vera estima que tem passado de dez a 12 horas de trabalho em casa dedicada às eleições, a maior parte conectada a sessões virtuais. 

“Foram poucas agendas presenciais mesmo, (a ponto) de passar uma semana inteira sem colocar o pé na rua”, conta Vera, para quem a campanha foi “desafiadora, trabalhosa em todos os sentidos porque isso não diminui a agenda, ao contrário: nós continuamos tendo uma agenda bastante concorrida”.

Aos 53 anos, Vera Lúcia está em sua 11ª eleição. Ela disputa cargos há mais de duas décadas, concorreu quatro vezes a prefeita de Aracaju, uma vez ao governo estadual de Sergipe e, em 2018, foi a candidata do partido à Presidência. É uma das fundadoras do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), que surgiu em 1994 como dissidência do PT e prega a revolução para atingir um ideal de sociedade socialista, com comitês de trabalhadores no poder.

Neste ano, o foco nas agendas digitais foi tão grande que Vera atribui ao tempo excessivo em frente às telas uma consulta ao oftalmologista, no início de outubro, para ajustar o grau dos óculos. Foi enquanto aguardava o atendimento que a candidata recebeu a notícia de seu melhor resultado eleitoral na campanha: havia pontuado 2% nas intenções de voto.

Naquele momento, isso significava ocupar o quinto lugar entre 14 concorrentes e estar à frente de candidaturas muito mais caras e de partidos maiores, como PT, PSL, PSD e PCdoB. Durou pouco. Nas pesquisas seguintes, os resultados do PSTU voltaram a recuar e hoje vão de zero a um ponto porcentual.

A mais velha de dez irmãos, Vera começou a trabalhar aos 14 anos fora de casa. Foi datilógrafa, faxineira e garçonete. Aos 19, contratada como costureira em uma fábrica de sapatos em Aracaju, conheceu sua porta de entrada para a política: o movimento sindical.

Publicidade

“As condições de trabalho eram terríveis”, ela diz. “Nunca tive uma vida fácil, não conheço a facilidade que a vida oferece.”

Sua mudança para São Paulo ocorreu há dois anos, meses antes de sua candidatura à Presidência. Na casa no Ipiranga, transformado em “quartel-general” do comitê de campanha nos últimos meses, também a filha e o marido, que vieram de Alagoas em seguida. O motivo da mudança, ela diz, não foi a política e sim as oportunidades de trabalho, ela diz. Vera hoje trabalha como educadora sindical no Instituto Latino-Americano de Estudos Socioeconômicos (Ilaese)

Ela costuma dizer que sua radicalidade está no conteúdo do programa que o partido propõe, não no tom de voz. Ela tenta quebrar com o estereótipo do ativista revolucionário tido como bruto e mal-educado. “Sou uma pessoa brava, sim, enérgica, sim. Estúpida, não.”

PUBLICIDADE

O PSTU não tem representação na Câmara Municipal, na Assembleia Legislativa de São Paulo ou no Congresso Nacional. As eleições, segundo a candidata, não estão entre as prioridades do partido. Quem se orienta com esse objetivo, inclusive, é constantemente criticado pelo partido, e uma aliança com as principais siglas da esquerda nas eleições, impensável. 

“O PSTU não se organiza para disputar eleições, e sim para difundir junto com a classe trabalhadora, os mais pobres e a juventude, do campo e da cidade, sobre a necessidade de construir uma nova sociedade”, diz Vera. “É diferente dos partidos de esquerda que se movem em torno das eleições, muito embora tenham lá para um futuro, como última tarefa, o socialismo.”