Laboratório eleitoral

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Por Redação
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Hábitos online antecipam o que acontece no mundo real? Além de oráculo, a internet é também pitonisa do comportamento humano? Tem resposta para tudo e ainda prevê o futuro? Cientistas acham que sim - e estão tentando provar. Alguns conseguiram associar as altas e baixas das ações na Bolsa de Valores ao ritmo do Twitter, outros demonstraram que as buscas no Google preveem surtos de doenças antes dos epidemiologistas. Não é mágica, é vício. O comportamento humano segue padrões coletivos. São rotinas compartilhadas por milhares, às vezes por milhões de pessoas. De tão grandes ou esparsas são difíceis de identificar a olho nu. O que os cientistas têm feito é compilar bilhões de dados dispersos pelos internautas e tentar dar sentido a eles. Quando alguém está doente e tem acesso à internet, há uma chance de pesquisar sintomas na web para fazer seu autodiagnóstico e, eventualmente, seu autotratamento. É por isso que anualmente se repete um pico de buscas pela palavra "gripe" no Google - sempre de abril e maio, entre os brasileiros. Mas quando há uma epidemia (real ou virtual) as pesquisas explodem, como em 2009, diante do pânico provocado pela gripe suína.Será que isso se aplica à política?O eleitor tem hábitos repetitivos como qualquer internauta. O Google Trends - uma ferramenta que mede o volume de buscas por palavras ou expressões no Google - mostra que, ao contrário dos políticos profissionais, os comuns mortais não se ocupam meses a fio com quem será o novo prefeito, tampouco pensam com antecedência em quem votarão para vereador. O eleitor médio só se preocupa com a eleição por um curto período de tempo. Se as pesquisas no Google são um termômetro do interesse do público, pode-se dizer que as eleições municipais começam a despertar o eleitor a partir da segunda metade de junho, quando as buscas pela palavra "prefeito" na internet começam lentamente a superar a média dos meses anteriores. Isso coincide com o período das convenções partidárias para oficializar as candidaturas. O interesse entra em uma curva ascendente, mas pouco inclinada, durante o mês de julho. Em agosto, a curiosidade se acelera após o horário eleitoral começar, até que há um salto abrupto na segunda quinzena de setembro, quando triplicam as buscas. O auge ocorre nos dias imediatamente anteriores e posteriores à eleição.Essa curva é muito semelhante ao histórico de pesquisas de intenção de voto e reforça a ideia de que a corrida eleitoral é uma prova de 100 metros: a maioria dos eleitores escolhe seu candidato apenas na reta final. Apesar disso, a história revela padrões de votação que se repetem. Se não dá para prever o nome do eleito, é possível ao menos projetar o comportamento geral do eleitor antes mesmo de ele saber em quem vai votar.Como todo hábito, a decisão do voto pelo eleitor funciona como um looping de três fases. É deflagrada por uma deixa: no Brasil, o início do horário eleitoral no rádio e na TV. Transforma-se num processo: a conversa com amigos e familiares para se informar sobre quem são os candidatos e avaliar suas chances. E termina com a expectativa de uma recompensa: eleger seu candidato ou derrotar o candidato do qual se gosta menos.A disputa em São Paulo será um raro laboratório eleitoral. As duas principais forças partidárias experimentarão fórmulas opostas para tirar proveito dos hábitos eleitorais do paulistano. O PT de Lula testa os limites do petismo ao lançar um desconhecido. O PSDB de Geraldo Alckmin aposta em mais do mesmo. Fernando Haddad é o experimento. José Serra é o grupo de controle.Se Haddad chegar ao segundo turno, o PT provará que o hábito de um em cada três paulistanos de votar em candidatos do partido é forte o suficiente para viabilizar qualquer um. Provará também que a corrida eleitoral só começa de fato quando o eleitor assiste às primeiras propagandas de candidatos na TV ou ouve os spots de rádio. Porque será o único jeito de o desconhecido petista se tornar conhecido da maioria.Se Haddad não só chegar ao segundo turno, mas também for eleito, ficará provado que foi a soma da rejeição individual de Marta Suplicy à rejeição ao PT que fez a ex-prefeita perder as duas últimas tentativas de voltar à Prefeitura de São Paulo. Porém, se Haddad for o primeiro petista a não chegar a um segundo turno paulistano, aí será preciso rever a hipótese de que o eleitorado é tão previsível assim. Não será o primeiro tropeço da ciência do comportamento. Os cientistas espanhóis que tentaram prever o mercado financeiro pelos humores do Twitter conseguiram apenas perder menos do que a maioria. Não ganharam um euro sequer.

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