Justiça aceita denúncia contra Major Curió

Juíza reformou decisão anterior e acatou tese de que crimes de sequestro e cárcere privado são 'permanentes' e não estão compreendidos na Lei da Anistia

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Por Roldão Arruda
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Em decisão inédita, a juíza federal Nair Cristina Corado Pimenta de Castro, do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região, Subseção de Marabá, aceitou ontem denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal contra dois militares da reserva acusados de sequestro de militantes políticos no período do regime militar. O mais conhecido deles é o coronel da reserva Sebastião Rodrigues de Moura, o Major Curió, um dos responsáveis pelo comando das operações contra Guerrilha do Araguaia, que se estendeu entre 1972 e 1974. O segundo réu é o major Lício Augusto Maciel. Os dois serão processados de acordo com o artigo 148 do Código Penal, que trata do crime de privação de liberdade mediante sequestro ou cárcere privado. O Ministério Público Federal defende que os casos de presos políticos cujos corpos desapareceram após terem sido detidos pelas autoridades podem ser enquadrados nesta categoria.Essa foi a primeira vez que um juiz acatou a tese. "É uma decisão histórica e democrática. Até agora, todas as tentativas de ações contra agentes da ditadura haviam sido recusadas, com o argumento de que eles foram beneficiados pela Lei da Anistia", disse ao Estado o procurador Ivan Marques, que coordena no MPF o Grupo de Trabalho Justiça de Transição.O major Maciel, hoje com 82 anos, é acusado pelo sequestro de Divino Ferreira de Souza, guerrilheiro que usava o codinome Nunes. Ele foi capturado pelo Exército no dia 14 de dezembro de 1973 e desde então é tido como desaparecido.No seu despacho, a juíza Nair Cristina argumentou que "o sequestro, como cárcere privado, é crime material e permanente". Isso significa, na avaliação dela, que o crime não foi abrangido pela Lei da Anistia, cujos efeitos compreendem fatos ocorridos de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979.No caso do Major Curió, acusado pelo sequestro de cinco guerrilheiros, a juíza reformou uma decisão anterior. Em março, o juiz federal João César Otoni de Matos, ocupando interinamente o cargo, havia recusado a denúncia do MPF, que recorreu.Estratégia. Os dois casos fazem parte de uma investida do Grupo de Trabalho Justiça de Transição para penalizar agentes de Estado envolvidos com violação de direitos humanos no período autoritário. Os procuradores investigam uma série de 62 casos do período militar.Até agora foram apresentadas três denúncias. A terceira delas, em São Paulo, envolve o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra e o delegado de polícia Dirceu Gravina. Para o MPF, os dois são responsáveis pelo desaparecimento do líder sindical Aluísio Palhano Pedreira Ferreira, em 1971.Nesse caso, a Justiça Federal recusou a denúncia. Ontem, ao comentar a decisão da juíza de Marabá, o advogado Paulo Esteves, que defendeu os dois acusados em São Paulo, voltou a insistir na tese da Lei da Anistia."Trata-se de uma lei especial, que se sobrepõe às leis comuns. O destino desse tipo de decisão é derrubada em instâncias superiores. O caso pode acabar no Supremo Tribunal Federal que, mais uma vez, vai restabelecer o império da lei."

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