Igrejas não podem ser escanteadas, diz especialista sobre TSE punir abuso de poder religioso

Para o advogado Luiz Eduardo Peccinin, as instituições religiosas devem participar do debate político e o cidadão religioso não pode ser tratado como 'subcidadão'

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Por Rafael Moraes Moura
Atualização:

BRASÍLIA - O advogado e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral (Abradep), Luiz Eduardo Peccinin, afirmou ser preciso que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estabeleça critérios claros e trace uma linha do que é permitido e do que não é, caso decida punir o abuso de poder religioso. Autor do livro O discurso Religioso na Política Brasileira: Democracia e Liberdade Religiosa no Estado Laico, Peccinin avalia que não dá para escantear as igrejas do debate político, nem tratar o cidadão religioso como “subcidadão”. 

Adiscussão foi levantada em junho pelo ministro Edson Fachin e é acompanhada com apreensão por aliados do presidente Jair Bolsonaro, que veem no debate uma ameaça à liberdade de religião e uma caça às bruxas contra o conservadorismo. A Corte eleitoral marcou a retomada do julgamento para esta quinta-feira, 13.

Luiz Eduardo Peccinin, advogado e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral (Abradep) Foto: Iprade/CBDE

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Qual a preocupação que o TSE deve ter, se prevalecer o entendimento para punir o abuso de poder religioso, conforme defende o ministro Edson Fachin?É muito importante que o TSE estabeleça parâmetros objetivos da forma de configuração e fiscalização desse abuso, justamente para dar previsibilidade e segurança jurídica a todos os envolvidos no processo. Essa é uma preocupação que o TSE deve ter em mente, para que a gente não crie um ambiente de policiamento do discurso religioso, das crenças e dos cultos. Não só o Ministério Público atua na fiscalização do processo eleitoral, mas também os demais partidos, coligações e candidatos. Se não for tomado esse cuidado e, se não fixados parâmetros claros, corre-se o risco de haver um contexto de intenso policiamento das atividades religiosas.

Existe risco de discriminação contra religiosos, conforme apontam juristas evangélicos? Claro que sim. É importante separar que a simples manifestação de preferência política por religiosos, clérigos, pastores, sacerdotes não é ilícita nem pode estarpassível de qualquer censura. Então, o que o TSE tem de se preocupar, é onde traçar essa linha, daquilo que é uma manifestação legítima do pensamento político e aquilo que pode ser enquadrado como uma tentativa de captação do voto através do discurso religioso.

E como traçar essa linha? O que significaria atravessar essa linha seria sair da sugestão, de posição política pessoal do pastor, clérigo, para uma tentativa de pressão sobre o convencimento do eleitor. Seja estabelecendo que determinado grupo é o único capaz de garantir a salvação e respeito às doutrinas da Igreja, ou fazendo uma demonização do adversário, ou tentando uma forma de coagir, pressionar, através de um temor reverencial que exista na relação entre fiel e sacerdote. Dizer que “nossa igreja não vai sobreviver se esse candidato ganhar ou perder”, ou vincular a concretização da doutrina diretamente a um grupo que esteja no processo eleitoral.

O senhor já disse que a lei não pode exigir que um cidadão religioso forme suas convicções políticas separadamente de suas outras crenças pessoais. Alguém que leva a sua religião a sério vai, na verdade, tomar todas as decisões da vida com base nas suas convicções religiosas, morais – eisso não é ilegítimo. O voto dele é tão legítimo quanto o de um cidadão ateu, por exemplo. É preciso também ter cautela para não tratar a questão de modo elitista, ou descolado de uma realidade social concreta. A sociedade brasileira é predominantemente cristã. Não podemos partir para uma tutela do convencimento do eleitor, que pode inclusive afrontar a liberdade que a Justiça busca proteger. Não podemos tratar o cidadão religioso como subcidadão, como alguém que não tenha capacidade, por sua conta e risco, de fazer uma escolha legítima sobre qualquer ponto de vista que tenha.

Segundo Fachin, a imposição de limites às atividades eclesiásticas representa uma medida necessária à proteção da liberdade de voto. Como colocar esses limites? É complicado, porque quando se fala de Estado laico, fala-se da atuação do Estado em si, nunca de impedir que cidadãos religiosos e líderes religiosos participem do debate público. Não tem previsão legal no Brasil que impeça padre, sacerdote, de concorrer nas eleições, como no México e em Portugal. E os partidos não são proibidos de fazer referências a doutrinas cristãs dentro de seus estatutos. Uma coisa é cuidar para que o Estado, dentro das suas leis e suas políticas públicas, não afronte a Constituição. Outra coisa é a intenção de escantear qualquer tipo de motivo ou razão religiosa de um debate que tem de ser o mais plural e inclusivo possível.

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Dá pra manter Estado e religião separados no debate político? Eu creio que não, até porque é legítimo inclusive que existam grupos de interesse diferentes dentro do Estado. Tanto no debate eleitoral quanto no do Congresso é fundamental se garantir um embate de diferentes visões de mundo e projetos políticos diversos. Laicidade significa que o Estado vai ser separado das igrejas e neutro em relação a qualquer doutrina religiosa, o que não significa filtrar o embate de ideias de razões de ordem filosófica, moral e inclusive religiosa.

O senhor defende punir o abuso de poder religioso? No meu sentir, aquilo que o TSE já estava fazendo, da fiscalização da estrutura, do dinheiro das igrejas, dos seus meios de comunicação na promoção de candidaturas era mais salutar. Vejo com ressalvas, apreensão, como isso vai ser interpretado por juízes e promotores eleitorais, que são seres humanos e vão também enfrentar situações concretas, levando para os processos muito de suas próprias convicções religiosas.

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