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Gigante adoecido

Por DORA KRAMER
Atualização:

Há o velho dito costumeiramente aplicado à política: esperteza quando é muita, cresce, vira bicho e come o dono.Resume mais ou menos a situação do governo que, sem oposição que o preocupe e, principalmente, com a qual seus aliados se ocupem, é alvo de si mesmo.Vive o que podemos chamar de uma crise aguda de hipertrofia, resultado de um plano ainda em andamento de ocupar todos os espaços possíveis. E aqui vamos nos ater ao campo da política partidária, onde os danos começam a ficar evidentes.A coalizão governista cresceu demais de maneira anômala, cooptou, açambarcou as forças disponíveis, reduziu a oposição à insignificância na Câmara, na última eleição levou a termo o projeto de varrer do mapa os adversários mais combativos a fim de virar o jogo no Senado.O governo estufou, tornou-se um gigante.De seus antecessores, desde José Sarney até Lula, Dilma Rousseff é quem menos oposição nominal tem no Congresso. Na Câmara os partidos de oposição ocupam 17,5% das cadeiras e no Senado mal chegam a 20%.Para ficar bem claro: o governo em tese domina 80% do Parlamento. Segundo levantamentos correntes sobre o comportamento dos aliados em votações, o índice de fidelidade é alto na média.Não serve para ganhar todas, mas assegura boa margem de vitórias. Ainda mais se nelas forem incluídas as operações salva-vidas montadas por ocasião de convocações de integrantes do governo ao Congresso.Não obstante todas essas condições favoráveis, o que se tem é um ambiente de permanente conturbação entre os partidos aliados ao Palácio do Planalto.A razão chega a ser elementar. Junte-se a amplitude amazônica, a heterogeneidade, a competitividade natural entre diferentes e a ausência de amálgama sólido, o que se tem não é propriamente uma base.Não há um alicerce de sustentação do governo, mas um amontoado de interesses cujos conflitos naturalmente se expressam com mais contundência em época de eleições. E na carência de oponentes para se combater, o embate acaba correndo internamente. De onde se concluiu que oposição de mais é ruim para qualquer governo, mas oposição de menos afeta o equilíbrio ecológico e pode ser ainda pior. Tempo de estio. O PT anda jururu, literalmente na muda à espera de uma definição sobre o quadro de saúde do ex-presidente Luiz Inácio da Silva para ver se a candidatura de Fernando Haddad pode vir a deslanchar ou se é melhor pular essa etapa deixando para mais adiante a tentativa de tirar São Paulo das mãos do PSDB.Um candidato a aliado, o PSD, já adiou seus planos. Outro parceiro em potencial para a empreitada anunciada pelos petistas como prioritária neste ano, o PSB, também examina a hipótese.O presidente do partido, governador Eduardo Campos (PE), diz abertamente que a montagem de alianças tem como horizonte muito mais importante a eleição de 2014.Fala como quem ensaia uma justificativa para movimentos táticos a fim de preservar projetos estratégicos. Em português claro: desenha a possibilidade de ficar com o prefeito Gilberto Kassab agora, ao lado dos tucanos em São Paulo, alegando necessidade de preservar apoio do PSD ao campo hoje governista na eleição presidencial.Um detalhe ainda mantém no PT a esperança de retomar a posição de conforto presumido: a inesgotável capacidade do PSDB de patrocinar tiroteios no próprio pé.Ainda assim, na dependência de uma recuperação de Lula à altura das exigências da tarefa, pois não se pode perder de vista um fator. Sendo a candidatura Haddad uma obra de autor, só ele é capaz de imprimir sentido à narrativa.Fala baixo. Frase dita nas conversas de queixas à presidente Dilma e companhia na cúpula do PMDB/Senado: "O matriarcado pirou".É de se perguntar se os valentes repetiriam a impertinência de corpos presentes.

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