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Espionagem esfria relação com EUA

Depois do escândalo da intromissão americana em 2013, os dois lados admitem que é preciso superar logo o impasse, mas isso é tarefa para o próximo governo

Por Lisandra Paraguassu e Cláudia Trevisan
Atualização:
Tarefa imediata da política externa brasileira será a reconstrução da confiança na relação com os EUA Foto: Grigory Dukor/Reuters

Seja qual for o próximo presidente, uma das tarefas imediatas da política externa brasileira será a reconstrução da confiança na relação com os Estados Unidos, abalada pelas revelações, em setembro de 2013, de que a Agência de Segurança Nacional (NSA) americana espionou comunicações de Dilma Rousseff, da Petrobrás e de muitos cidadãos brasileiros. 

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Existe nos dois governos a percepção de que a atual situação, de quase congelamento dos contatos de alto nível é insustentável e tem de ser superada. Além disso, há pressão crescente do setor privado dos dois lados para que o relacionamento volte aos trilhos - o que só deve ocorrer quando se definir o próximo presidente.

O processo de descompressão começou com a visita do vice-presidente Joe Biden ao Brasil durante a Copa do Mundo, quando ele se reuniu com Dilma em Brasília. Mas apesar de suas declarações de que haverá mudanças na atuação da NSA, o Planalto continua a exigir garantias de que casos semelhantes não se repetirão. Até agora, os EUA não se mostraram dispostos a assumir um compromisso nesses termos. 

Um integrante do governo Barack Obama disse ao Estado que a importância do Brasil para eles não mudou e que há interesse em continuar a reconstrução do relacionamento. Mas o Brasil disputa a atenção de Washington com uma carregada lista de prioridades internacionais - entre elas o avanço do Estado Islâmico no Iraque e no Levante (Isis), o conflito de Gaza, a instabilidade na Ucrânia e as pretensões nucleares do Irã. 

Agenda ruim. “A agenda externa dos EUA está carregada de problemas”, resume João Augusto de Castro Neves, diretor para América Latina da consultoria Eurasia Group. Para ele, isso pode representar uma oportunidade, caso haja avanços e a relação com o Brasil possa ser apresentada como um “capítulo positivo” na sucessão de notícias negativas para Obama. De quebra, outro episódio parecido ocorreu em outubro na Alemanha, onde veio a público que a chanceler Angela Merkel foi também espionada. 

No ato ela exigiu de Obama “explicações claras” para que seus agentes a vigiassem. O assunto ainda continua sem solução.No Brasil, apesar de nunca ter ouvido as desculpas formais que esperava, o governo entende que os gestos diplomáticos dos EUA são suficientes para que se deixe a crise de lado - até porque, como avaliou o ministro do Exterior, Luiz Alberto Figueiredo, é muito difícil não ter relações com o segundo maior parceiro comercial do País. As vendas brasileiras para os EUA cresceram 16,5% até maio em 2014.

Brasília minimiza a crise e diz que as duas diplomacias continuam conversando. A realidade, no entanto, é outra. Os contatos esfriaram. Temas importantes foram engavetados. O Fórum de CEOs que discute investimentos e ampliação do comércio não se reúne desde março de 2013. Providências acertadas na visita de Joe Biden não deram em nada. 

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Visita de Estado. Desde o cancelamento da visita oficial a Washington o governo dos EUA tem repetido que o convite continua de pé. Se a oposição vencer em outubro, analistas consideram que a visita se tornará mais fácil. Carl Meacham, diretor do Programa Américas do Center for Strategic & International Studies, acredita que a necessidade de reconstrução de confiança exige uma interação mais íntima que a permitida por uma visita do Estado. 

Em sua opinião, o formato ideal seria o convite para um fim de semana em Camp David, a casa de campo dos presidentes americanos. Fernando Henrique Cardoso esteve no local em 1998 a convite de Bill Clinton. Em 2007, Lula foi recebido no retiro pelo republicano George W. Bush. “Um encontro desse tipo permitiria a quebra da tensão que vem sendo acumulada na relação bilateral”, opinou Meacham. 

Apesar da baixa temperatura do relacionamento no momento, não é unânime a impressão de que ele vai melhorar tão cedo. Castro Neves diz não esperar mudanças radicais - até porque Obama já estará na metade final do mandato. Além disso, visões divergentes no cenário internacional ficaram evidentes com a anexação da Crimeia pela Rússia. A Casa Branca condenou a iniciativa e não escondeu sua decepção quando o Brasil decidiu abster-se na votação da ONU quanto à integridade territorial da Ucrânia. Além disso, os EUA consideraram inválido o referendo que aprovou a anexação da Crimeia pela Rússia. 

Cronologia

5 DE JUNHO DE 2013 - The Guardian. Documentos vazados por Edward Snowden, ex-funcionário da NSA, são publicados no jornal inglês The Guardian. A reportagem revela que a empresa Verizon foi obrigada a fornecer milhões de registros telefônicos feitos por americanos.

1º DE SETEMBRO DE 2013 - Brasil. Reportagem do programa Fantástico, da TV Globo, revela que Dilma, assessores e a Petrobrás foram alvo de espionagem pela NSA.

6 de SETEMBRO DE 2013 - ‘Ultimato’. Em reunião do G20, na Rússia, Dilma diz ter dado ultimato a Barack Obama para que esclareça “tudo” sobre a suspeita de espionagem.

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17 de SETEMBRO DE 2013 - Cancelamento. Insatisfeita com a resposta americana sobre a suspeita de espionagem pela NSA, Dilma cancela a viagem oficial que faria aos EUA, em outubro.

23 de OUTUBRO DE 2013 - Pacto. A chanceler alemã, Angela Merkel, também teria sido alvo da NSA. Após o episódio, Brasil e Alemanha se unem por pacto na ONU pela privacidade na internet.

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